Lei 14.831/2024 – Nova lei da empresa promotora da saúde mental e do bem-estar dos trabalhadores

Lei 14.831/2024 – Nova lei da empresa promotora da saúde mental e do bem-estar dos trabalhadores

A Lei 14.831, de 27 de março de 2024, estabeleceu o Certificado Empresa Promotora da Saúde Mental, de âmbito nacional, a ser concedido pelo governo federal às empresas que atenderem a determinados critérios de promoção da saúde mental e do bem-estar de seus trabalhadores.

Dentre as boas práticas a serem adotadas pelas empresas, de acordo com a nova lei, em resumo, estão as seguintes: implementação de programas de promoção da saúde mental no ambiente de trabalho; oferta de acesso a recursos de apoio psicológico e psiquiátrico para seus trabalhadores; combate à discriminação e ao assédio em todas as suas formas; promoção de ambiente de trabalho seguro e saudável; incentivo ao equilíbrio entre a vida pessoal e a profissional; incentivo à prática de atividades físicas e de lazer; divulgação regular das ações e das políticas relacionadas à promoção da saúde mental e do bem-estar de seus trabalhadores nos meios de comunicação utilizados pela empresa.

A lei acima mencionada também destaca a importância de ações empresariais voltadas especificamente à promoção da conscientização direcionada à saúde mental das trabalhadoras [1].

Ainda de acordo com a nova lei, a concessão do Certificado Empresa Promotora da Saúde Mental será realizada por uma comissão certificadora, a ser nomeada pelo governo federal, nos termos de regulamento que também ainda será editado, com a atribuição de aferir a conformidade das boas práticas desenvolvidas.

Um dos autores do presente texto, Pedro Milioni escreveu no artigo intitulado “A Simbiose entre os valores ESG e o Direito do Trabalho”, que o “acrônimo ESG, propõe, em resumo, o alinhamento justo e equilibrado entre empresa/lucro, e a responsabilidade com o meio ambiente, sociedade e todos os stakeholders impactados direta ou indiretamente pela atividade empresarial, através de uma governança corporativa honesta, íntegra e comprometida com esses fundamentos” [2].

Vale dizer, “além da geração de riqueza para os acionistas — que é justíssimo num ambiente capitalista sadio —, as empresas também passaram a ter que assumir compromissos com o planeta e as pessoas, não apenas por vontade própria, mas também por uma “imposição” do Estado, da sociedade, de organismos internacionais, consumidores, trabalhadores etc. Enfim, de todos os interessados. É a denominada teoria dos Stakeholders (interessados)” [3].

Assim, alinhada aos melhores valores ESG, a nova lei vem em bom momento, pois a partir de uma série de condutas espontâneas que poderão ser adotadas pelas empresas que desejarem o Certificado Empresa Promotora da Saúde Mentalpropõe, e não impõe, que o empresariado adira ao movimento salutar de promoção da saúde mental e do bem-estar dos trabalhadores (e trabalhadoras), e preste contas de suas ações.

Com isso, a lei transita ordenadamente pelas três letrinhas do ESG:

  • E – propõe melhorias no meio ambiente de trabalho;
  • S – aponta boas práticas em termos de saúde e bem-estar dos trabalhadores, inclusive as mulheres;
  • G – impõe que os interessados na certificação atuem com transparência e prestem contas de suas ações.

Por que as empresas devem buscar essa certificação?

 O empresário é um agente transformador que, além da riqueza que merece conquistar, pois arrisca sua pele, literalmente, num ambiente hostil e competitivo, tem a capacidade de implementar mudanças que podem impactar positivamente o mundo em que vivemos. E isso não é utopia, é realidade, pois as “empresas exercem o papel primordial de geração de riquezas e contribuem com a redução da pobreza em um país. Elas têm uma relevante função social e auxiliam no desenvolvimento econômico, além de aumentar oportunidades de empregos e constituírem fontes de receitas para o Estado”. [4]

Ademais, ainda que a lei não seja impositiva, sabemos que a inovação empresarial tem como missão dar respostas às necessidades sociais de diferentes formas, sendo, portanto, uma consequência do empreendedorismo quando bem-sucedido.

Portanto, além desse papel de enorme grandeza do empresariado, é bastante claro que uma empresa que promove a saúde mental e o bem-estar de seus trabalhadores só tem a ganhar.

Dois exemplos ilustrarão o que ora se afirma:

  • Melhoria da reputação empresarial – uma empresa verdadeiramente comprometida com seus trabalhadores goza de credibilidade no mercado, o que atrai investimentos, oportunidades de negócios, retém bons talentos e, isso tudo somado, gera dinheiro.
  • Ambiente de trabalho estável e sadio – problemas mentais ocasionados pelo trabalho geram custos, afastamentos, improdutividade, falta de comprometimento, pedidos de demissão, e outras questões que afetam diretamente no desempenho das empresas. Logo, zelar pela saúde dos empregados e manter um ambiente de trabalho adequado é medida que, ao final, também gera riqueza para o negócio.

Outros exemplos poderiam ser dados, mas os acima expostos já explicam a importância da adesão à certificação.

Algumas medidas interessantes da lei:

As empresas interessadas em obter a certificação devem desenvolver ações e políticas fundamentadas em diretrizes, exemplificativas, que constam na nova lei, dentre elas destacam-se as seguintes:

  • Oferta de acesso a recursos de apoio psicológico e psiquiátrico para seus trabalhadores: Segundo o Sebrae [5], “53% dos brasileiros relataram alguma deterioração na saúde mental em 2020. Foi a quinta maior alta entre os 30 países pesquisados”. Problemas mentais ocasionados ou não pelo trabalho geram reflexos no ambiente de trabalho. Logo, zelar pela saúde dos trabalhadores é um jogo de ganha-ganha.
  • Combate à discriminação e ao assédio em todas as suas formas: As empresas devem elaborar protocolos e regulamentos internos, claros e capazes de estabelecer diretrizes, princípios e responsabilidades, para combater o adoecimento dos trabalhadores expostos às questões de opressão e de violência, além da realização de treinamentos e palestras sobre diversidade, inclusão, desigualdade de gênero, com a finalidade de conscientização coletiva e abrangente, em todos os níveis da organização.
  • Promoção de ambiente trabalho seguro e saudável: investimentos em ergonomia, treinamentos, realização de avaliações regulares e atualização de políticas internas de segurança, de acolhimento e combate a estigmas relacionados à saúde mental devem estar presentes em todas as empresas.
  • Incentivo ao equilíbrio entre a vida pessoal e a profissional; incentivo à prática de atividades físicas e de lazer: a criação ou aprimoramento de benefícios que apoiem os trabalhadores em suas necessidades familiares, flexibilidade de jornada de trabalho, políticas internas sobre licenças parentais e comunicação aberta entre gestores e subordinados, com uma escuta ativa e um olhar atento e relacionado às questões atinentes a paridade de gênero são questões que estão na ordem do dia, e só beneficiam a construção de um saudável ambiente de trabalho.
  • Divulgação regular das ações e das políticas relacionadas à promoção da saúde mental e do bem-estar de seus trabalhadores nos meios de comunicação utilizados pela empresa: A transparência e a prestação de contas são diretrizes básicas da boa governança corporativa. Assim, o alinhamento do marketing aos valores empresariais, através do incremento ou criação de canais eficazes e próprios, sendo que a lei, neste sentido, é expressa ao permitir que as empresas usem o certificado em sua comunicação e em materiais promocionais, a fim de destacar seu compromisso com a saúde mental e com o bem-estar de seus trabalhadores. Ótima medida. Todavia deve-se evitar a prática do woke-washing.

Novas abordagens, transparência, inovação, empoderamento, inclusão, sustentabilidade, bem-estar social e mental são algumas das palavras do momento e todas fazem parte de uma cultura coorporativa forte e alinhada aos princípios ESG.

Governos e comunidades em geral estão cada vez mais atentos às questões relacionadas à saúde mental no local de trabalho. A título de exemplo, tanto a Organização Mundial da Saúde (OMS) quanto a Organização Internacional do Trabalho (OIT) alertam para novas medidas de enfrentamento das questões de saúde mental no trabalho.

Empresas que demonstram compromisso com o bem-estar de seus trabalhadores tendem a obter reconhecimento e manter boas relações com os stakeholders internos e externos, e dentre estes, o apoio governamental, além de evitar possíveis sanções relacionadas às questões de saúde e segurança no trabalho, ainda poderá auxiliar na criação ou expansão de uma visibilidade empresarial positiva.

Outrossim, priorizar a saúde mental dos trabalhadores, além de ser primordialmente uma questão de direitos humanos e de responsabilidade social, é também uma estratégia importante para o sucesso duradouro e sustentável dos negócios.

Nesse sentido, ousamos afirmar que a nova lei, ainda que pendente de regulamentação, veio em boa hora e certamente auxiliará no combate a estigmas relacionados à saúde mental, bem como na prevenção de inúmeras doenças.

Empresas que se adequem ou mesmo se antecipem na criação de estratégias e protocolos vinculados à saúde mental de seus trabalhadores certamente sairão em vantagem em um mundo cada vez mais inclusivo, todavia não menos competitivo.

Por:

Fonte: https://www.conjur.com.br/2024-mai-31/a-nova-lei-da-empresa-promotora-da-saude-mental-e-do-bem-estar-dos-trabalhadores/?utm_term=Autofeed&utm_medium=Social&utm_source=LinkedIn#Echobox=1717263051


[1] Segundo dados da McKinsey and Co. no seu último relatório sobre saúde das mulheres, de janeiro de 2024 [1], estamos em um momento crucial para aumentar a conscientização sobre as manifestações de doenças específicas de cada sexo e sem dúvidas, dentre elas, as doenças mentais.

[2] A SIMBIOSE ENTRE OS VALORES ESG E O DIREITO DO TRABALHO: NOÇÕES INTRODUTÓRIAS, Revista Fórum Justiça do Trabalho, ano 41 – n. 483 – março de 2024 Belo Horizonte – p. 13.

[3] Idem, p. 11.

[4] Lourenço, Luana. O poder transformador das empresas dirigidas por valores, disponível em https://www.governancanorio.com.br/poder-transformador-das-empresas-dirigidas-por-valores/ acessado em 23.01.2024.

[5] Disponível em https://sebrae.com.br/sites/PortalSebrae/artigos/saude-mental-no-brasil-e-o-impacto-para-as-empresas,40d1419305b15810VgnVCM100000d701210aRCRD acessado em 16 de maio de 2024.

Assédio sexual: processos sobem 14% em 3 anos; 72% das vítimas são mulheres

Assédio sexual: processos sobem 14% em 3 anos; 72% das vítimas são mulheres

Assédio no ambiente de trabalho

“A informação é fundamental tanto para evitar a prática agressiva quanto para orientar quem é vítima sobre o que deve ser feito.” A afirmação é do presidente do TST (Tribunal Superior do Trabalho), Lelio Bentes Corrêa, ao comentar os números de assédio moral e sexual no ambiente de trabalho.

Levantamento feito pelo tribunal mostra que, de 2020 até abril de 2024, foram ajuizados 24.153 novos processos trabalhistas por assédio sexual. Considerando a média anual, o número de ações por assédio sexual na Justiça cresceu 14% entre 2020 e 2023.

O perfil das pessoas que procuram a Justiça para denunciar casos de assédio sexual é majoritariamente feminino (72,1%) e a faixa etária é predominante de 18 a 29 anos (42,5%) e de 30 a 39 anos (32,6%).

“Condutas que configurem assédio moral e sexual não podem passar despercebidas e não podem ser toleradas, em qualquer tipo de ambiente de trabalho. São práticas que afetam todo o ambiente profissional, impactam a produtividade e, principalmente, prejudicam a saúde das pessoas, gerando inclusive afastamentos. É nocivo para todos.”  Lelio Bentes Corrêa, presidente do TST

O TST prepara uma cartilha que será lançada neste mês com orientações para que as pessoas possam se informar e saber se proteger de todas as formas de assédio.

“As organizações precisam assumir a responsabilidade de adotar políticas para enfrentar esse tipo de problema, receber e dar encaminhamento às denúncias, acolher as pessoas e orientar suas equipes sobre o tema”, afirmou o presidente do TST à coluna.

Enquanto o número de processos por assédio sexual tem crescido, os casos de assédio moral na Justiça se mantêm estável, mas num patamar bem maior: são 349.933 processos correndo na Justiça do Trabalho.

Na avaliação de técnicos do TST, o aumento de casos na Justiça não significa, necessariamente, um aumento de casos na sociedade. “O que pode haver é um aumento do nível de conscientização das pessoas sobre o tema e menor tolerância a certas condutas que antes eram normalizadas, a exemplo do que se tem chamado de racismo recreativo e homofobia recreativa e das microagressões de gênero”.

Por Carla Araújo – Colunista do UOL

Fonte: https://noticias.uol.com.br/colunas/carla-araujo/2024/05/02/assedio-sexual-processos-sobem-14-em-3-anos-72-das-vitimas-sao-mulheres.htm?cmpid=copiaecola

Mediação e Arbitragem Tributária e Aduaneira

Mediação e Arbitragem Tributária e Aduaneira

Por Liziane Angelotti Meira e Talita Pimenta Felix

Nas últimas semanas, de forma bastante frequente, temos discutido a questão da mediação e da arbitragem tributária e aduaneira. No começo de abril, aliás, nós duas, acompanhadas pela Camila Tapias, participamos de um debate sobre o tema promovido pelo grupo “Mulheres no Tributário” [1]. Tendo em conta a importância e a atualidade, resolvemos juntas trazer o tema para esta coluna, agora com uma perspectiva mais aduaneira.

Contudo, antes de adentrar nesse assunto, gostaríamos de comentar que a especialização no Carf, anunciada nesta coluna, se concretizou! [2] No dia 18 de abril, houve a solenidade de lançamento das turmas aduaneiras no Carf, com a assinatura de portaria que define essa especialização: são duas turmas ordinárias na 3ª Seção que julgarão de forma preferencial as lides sobre matéria aduaneira. Importante iniciativa para a produção de decisões mais céleres e adequadas tecnicamente. Vale comemorar!

 

Voltando à mediação e à arbitragem, conforme observado em artigo anterior [3], após a aprovação da reforma tributária, vivemos um momento muito importante, com uma expectativa que mistura, por um lado, preocupações com a grande quantidade de lides tributárias e aduaneiras que emperram os tribunais — problema que tende a aumentar com a reforma tributária e a vinda de novas leis complementares da reforma —,[4] mas, por outro lado, com uma disposição para discutir e aprimorar esse novo sistema tributário, para torná-lo mais justo, eficiente e eficaz.
E é nesse diapasão que aparecem a mediação e a arbitragem, com o escopo de produzir soluções mais adequadas, em termos de qualidade, equidade e celeridade, aos litígios tributários e aduaneiros.

 

 

 

 

 

O Projeto de Lei do Senado nº 2.485/2022, que trata da mediação tributária, e o Projeto de Lei do Senado nº 2.486/2022, sobre a arbitragem tributária e aduaneira, vieram no bojo de sete anteprojetos de lei sobre processo tributário elaborados pelo grupo intitulado “Comissão de Juristas” [5], resultado do Ato Conjunto do então presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Luiz Fux, e o presidente do Senado, senador Rodrigo Pacheco, cuja coordenação ficou a cargo da ministra Regina Helena Costa e tendo o professor Marcus Lívio Gomes como relator da “Subcomissão para Reforma do Processo Tributário”. [6]

As proposições visaram a dinamizar, unificar e modernizar o processo tributário (administrativo e judicial) nacional. Verifica-se que esse conjunto de projetos de lei volta aos holofotes do Legislativo e da academia este ano, com a perspectiva de que possam ser votados ainda no primeiro semestre de 2024, agora, sob relatoria do senador Efraim Filho.

Segundo Relatório do Conselho Nacional de Justiça de 2022, [7] 35% dos processos no Judiciário são tributários e 65% das execuções também são tributárias. Ou seja, a ineficiência do sistema tributário não apenas implica dificuldade na arrecadação e na solução dos problemas tributários, mas também atravanca todo o Judiciário, prejudicando a persecução dos demais direitos, inclusive dos fundamentais. Na seara administrativa, a situação não está melhor, apenas no Carf, o valor sob litígio atingiu a cifra de R$ 1,17 trilhão. [8]

Por outro lado, há atualmente grande preocupação em aumentar a eficiência e a eficácia do contencioso tributário; temos indicado as importantes mudanças estruturais do Carf, incluindo a especialização aduaneira e a portaria de gênero, como relevantes avanços.

Nesse contexto, o objetivo dos projetos de lei que trazem a mediação e a arbitragem para a seara tributária e aduaneira não é concorrer com o processo administrativo ou com o processo judicial fiscais. Ao contrário, é ajudar a aprimorar o contencioso, auxiliando nessa fase de início de aplicação das normas da reforma tributária (que subsistirá em concomitância com o sistema atual por largo tempo) e permanecendo para consolidar um novo e melhor sistema tributário brasileiro.

Por sua vez, quando tratamos de comércio exterior, estamos no âmbito de transações econômicas internacionais, nas quais os países, e respectivos setores privados, figuram não somente como partes, mas também como concorrentes. Isso exige muito mais estratégia, agilidade e atualização para acompanhar os movimentos e necessidades impostos pelo fluxo internacional de mercadorias e de recursos e investimentos.

Onerando pesadamente a produção, não oferecendo respostas rápidas e adequadas para os litígios, sendo ineficiente na desoneração das exportações, o sistema tributário brasileiro não apenas compromete a competitividade internacional dos produtos brasileiros, mas também prejudica o planejamento dos negócios, a atração de investimentos e o próprio crescimento econômico e social do país.

Para o setor privado, para um investidor, uma carga tributária alta sobre seu negócio representa uma necessidade de controle e organização do negócio de forma mais cautelosa, a fim de manter a lucratividade. No entanto, leis de complexa interpretação, litígios que se arrastam por décadas, soluções jurídicas imprevisíveis e contraditórias dificultam a organização e a segurança do negócio, muitas vezes, inviabilizando-o.

No mesmo sentido, no que concerne especificamente à matéria aduaneira, cujo contencioso costuma ter deslinde igual ou similar à tributária, a demora da solução de uma lide pode impossibilitar não somente negócios importantes para o setor privado e para o próprio governo brasileiro, mas impactar no fluxo internacional, afastando-nos dos grandes players.

Não é à toa que o Brasil, apesar de estar entre as dez maiores economias do mundo, ser o sexto país em termos de população e o quinto maior país do mundo em território, não tem figurado entre os 20 países que mais participam do comércio internacional; ao contrário, tem ficado com aproximadamente do 1% do comércio internacional. [9]

Nesse ponto, cumpre lembrar que o Brasil está prestes a se tornar membro na OCDE, está em processo avançado de negociação de acordo comercial com a União Europeia e ainda se encontra em fase de implementação efetiva de modernos tratados internacionais aduaneiros (como a CQR/OMA e o AFC/OMC), o que configura maior abertura econômica.

No entanto, se essa abertura vier sem maior eficiência no sistema tributário e aduaneiro, no contencioso administrativo fiscal, isso é preocupante. Nesse contexto, a liberalização pode não trazer resultados positivos, pelo contrário, sem competitividade, iremos importar mais e não conseguiremos exportar na mesma medida. Ou seja, a tendência é perder riquezas, empregos e acirrar um processo de desindustrialização que já graça no país.

Volvendo-nos especificamente aos PLs, cumpre anotar que o PL do Senado nº 2.485/2022 trata somente da mediação tributária. Temos enfatizado nas discussões desse PLP com o Legislativo e em eventos acadêmicos, que é preciso que se agregue a matéria aduaneira.

Vale lembrar que a solução de litígios via mediação é a mais desejada, por permitir que as partes se aproximem, conheçam a posição uma da outra e cheguem a uma decisão consensual — ou seja, não imposta — e muito mais rápida.

Anote-se que, se precisamos de soluções céleres sem comprometimento da justiça, qualidade e tecnicidade para questões tributárias, isso é ainda mais premente na seara aduaneira, que se relaciona diretamente com o dinâmico e competitivo comércio internacional.

Na mediação, a Secretaria da Receita Federal e a Procuradoria da Fazenda Nacional também poderão propor a medida alternativa. O sujeito passivo não precisará estar representado por terceiro. As hipóteses passíveis de solução alternativa serão definidas em ato conjunto do advogado-geral da União e do ministro da Economia.

Prazo

Uma vez instaurada a mediação, o prazo administrativo ou judicial ficará suspenso por 30 dias, prorrogável por igual período. A mediação poderá ser instaurada ainda no curso do procedimento fiscal e, acaso estabelecido o dever de pagar o tributo, terá o sujeito passivo direito à redução de 70% no valor da penalidade prevista no artigo 44, inciso I, da Lei 49.430/1997 e, uma vez não cumprido o acordado, o débito será diretamente inscrito em dívida ativa.

O PL 2.485, por seu turno, já prevê a arbitragem tributária e também aduaneira. É necessário evidenciar que a arbitragem precisa envolver também todas as questões aduaneiras pecuniárias, bem como o perdimento de mercadorias, veículos e moeda. Importante contemplar ainda na arbitragem (e também na mediação) as medidas de defesa comercial, em relação à quais são comuns litígios de elevado valor, na maioria das vezes envolvendo classificação fiscal das mercadorias importadas.

A arbitragem tributária e aduaneira poderá ser instaurada desde a ciência do auto de infração e caberá à Administração Pública a eleição da temática passível de submissão a tal método. O “compromisso arbitral” inaugura o procedimento e representa o marco interruptivo da prescrição.

Não será passível sua aplicação por equidade, quanto à discussão de constitucionalidade ou discussão de lei em tese, bem como, resta vedada sentença que resulte em regime especial, diferenciado ou individual de tributação, de modo direto ou indireto.

Devem ser observados os precedentes vinculantes e de repercussão geral, sob pena de nulidade da decisão arbitral e a decisão deverá ser proferida em doze meses, prorrogável por igual período.

O texto do PLP estabelece três momentos em que permite a redução da multa, quanto mais próximo do início da ocorrência do evento sujeito à tributação, maior a redução (60% antes da ciência do auto de infração, 30% após tal prazo e antes da primeira decisão administrativa e 10% antes da decisão de segunda instância, da inscrição em dívida ou da citação da Fazenda em processo judicial).

Os dois projetos de leis inovam o sistema jurídico, fundam-se na consensualidade das partes envolvidas e permitem dúplice solução; primeiro, estimulam a prevenção consensual de conflitos em âmbito administrativo e judicial. Em segundo, à resolução dos litígios já instaurados. Esta função será primordial para redução do estoque de litígios do atual sistema tributário sobre o consumo, ao lado de outros fenômenos como a transação e o negócio jurídico processual.

Ambos os projetos contam com a possibilidade de presença de mediadores e árbitros internos e externos aos quadros do ente público titular do crédito público. Abre-se aqui uma nova vertente de atuação aos profissionais da iniciativa privada.

No que vale anotar que hoje a mediação aplica-se somente à União Federal, mas, do lado do sujeito passivo, é possível e permitido que seja representado por coletividade, entidades de classe ou associações; já a arbitragem é válida para todos os entes públicos de direito interno (municípios, estados e União), bem como, a conselhos profissionais e à Ordem dos Advogados do Brasil. Eis que tais entidades contribuem muito com a alta litigiosidade nos tribunais brasileiros.

Assim, a expectativa é que a mediação e a arbitragem passem pelo Legislativo e possam ser aplicadas para matérias tributárias e também aduaneiras, agregando mais justiça, agilidade e qualidade ao contencioso brasileiro e trazendo muitos resultados positivos para o país. Vamos acompanhar os projetos de lei!

__________________________

[1] Trata-se do primeiro evento de uma série, intitulado “Por dentro da Reforma Tributária com Liziane Angelotti Meira” (Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=LGusVPKMBQ8>. Acesso em: 17 abr.2024).

[2] “Especialização aduaneira no Carf está chegando”, de Liziane Meira e Rosaldo Trevisan (Disponível em < https://www.conjur.com.br/2024-mar-26/a-especializacao-aduaneira-no-carf-esta-chegando/>. Acesso em: 17 abr.2024).

[3] “Especialização aduaneira no Carf está chegando” (Disponível em < https://www.conjur.com.br/2024-mar-26/a-especializacao-aduaneira-no-carf-esta-chegando/>. Acesso em: 17 abr.2024).

[4] O envio do projeto de regulamentação da tributário ao Congresso Nacional estava previsto para o dia 15 de abril, mas foi adiado para esta semana, dia 22 de abril.

[5] Nos termos do Ato Conjunto Dos Presidentes do Senado Federal e do Supremo Tribunal Federal nº 1, de 2022, os juristas são: Ministra Regina Helena Costa; Valter Shuenquener de Araújo; Marcus Lívio Gomes; Bruno Dantas Nascimento; Júlio Cesar Vieira Gomes; Gustavo Binenbojm; Andre Jacques Luciano Uchôa Costa; Adriana Gomes Rego; Valter de Souza Lobato; Alexandre Aroeira Salles; Aristoteles de Queiroz Camara; Patricia Ferreira Baptista; Flávio Amaral Garcia; Caio César Farias Leôncio; Maurício Zockun; Leonel Pereira Pittzer; e Ricardo Soriano de Alencar.

[6] As demais propostas elaboradas foram: 1) anteprojeto de nova lei ordinária do processo administrativo tributário da União (transformada no Projeto de Lei do Senado nº 2.483/2022); 2) anteprojeto da nova lei ordinária de execução fiscal (Projeto de Lei do Senado nº 2.488/2022); 3) anteprojeto de nova lei ordinária de custas da justiça federal (Projeto de Lei do Senado nº 2.489/2022); 4) anteprojeto de lei complementar a inserir norma geral de prevenção de litígios, consensualidade e do processo administrativo tributário no Código Tributário Nacional (Projeto de Lei Complementar nº 124/2022; 5) anteprojeto de lei ordinária sobre processo de consulta tributária da União (Projeto de Lei do Senado nº 2.484/2022); e 6) anteprojeto de lei complementar de criação do Código de Defesa do Contribuinte (Projeto de Lei Complementar nº 17/2022).

[7] Conselho Nacional de Justiça. Justiça em números 2022 / Conselho Nacional de Justiça. – Brasília:

CNJ, 2022 (Disponível em < https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2022/09/justica-em-numeros-2022-1.pdf >. Acesso em: 17 abr.2024).

[8] Segundo informações divulgadas pelo próprio órgão, o estoque do CARF em janeiro de 2024 alcançou 1,1171 trilhão (Informação disponível em <https://carf.economia.gov.br/dados-abertos/dados-abertos-2024/dados-abertos-202402-final.pdf>. Acesso em: 17 abr.2024).

[9] Conforme estudo da FGV, em 2022, o Brasil ficou na 26ª posição mundial nas exportações com 1,3% (Disponível em <https://portalibre.fgv.br/noticias/desacelera-o-crescimento-do-comercio-mundial-em-2023-e-cresce-o-volume-exportado-pelo#:~:text=Para%20a%20Am%C3%A9rica%20do%20Sul,3%25%20nas%20exporta%C3%A7%C3%B5es%20mundiais).>. Acesso em: 17 abr.2024.

  • é professora, pesquisadora, coordenadora do Grupo de Pesquisa Capes “Família e Políticas Públicas: Projeção Econômica das Famílias”, doutora em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e mestre e especialista pela Universidade Harvard.

  • é advogada, professora, mestre e doutora em Direito Tributário pela PUC-SP, Coordenadora do Ibet/Goiânia, ex-conselheira dos tribunais administrativos da União, do estado de Goiás, do município de Goiânia, membro da equipe técnica da Subcomissão para Reforma do Processo Tributário, membro da CAE no Senado para reforma tributária, presidente do Comitê para Reforma Tributária da Abat, coordenadora Científica do Mulheres no Tributário e Coordenadora Executiva do NEF/Direito FGV-SP.

Pagamento contínuo de incentivo variável configura natureza salarial, diz TRT-2

Pagamento contínuo de incentivo variável configura natureza salarial, diz TRT-2

O recebimento habitual de “prêmios” por desempenho demonstra a natureza salarial dos valores pagos ao empregado. Com esse entendimento, a 3ª Turma do TRT da 2ª Região manteve sentença que autorizou a integração da parcela de incentivo variável e reflexos a um trabalhador da Telefônica Brasil.

Recebimento habitual de ‘prêmios’ demonstra natureza salarial

No recurso, a companhia insistia no caráter indenizatório da verba, alegando que só era paga quando atingidas certas metas, como forma de premiação e dentro das regras do programa de incentivo da empresa. O objetivo era promover a motivação e o empenho dos trabalhadores.

As provas documentais apresentadas pelo profissional, no entanto, demonstram o recebimento mensal dos valores. Segundo a relatora do acórdão, juíza Eliane Aparecida da Silva Pedroso, “se o empregado sempre atinge as metas, mês a mês, pode-se dizer que este é o seu desempenho normal”, o que enseja um incremento salarial por promoção e não por premiação. A magistrada afirma ainda que o pagamento de prêmios, nessas circunstâncias, desvirtua a legislação do trabalho (artigo 9º da Consolidação das Leis do Trabalho).

Assim, a decisão deferiu ao reclamante integração e reflexos em horas extras pagas, descanso semanal remunerado, aviso prévio, férias com um terço, 13º salário e FGTS com 40%. Com informações da assessoria do TRT-2.

Processo nº 1000731-38.2022.5.02.0321

Fonte: https://www.conjur.com.br/2023-nov-26/pagamento-continuo-de-incentivo-variavel-configura-natureza-salarial/
Imagem: leonidassantana/freepik

CNJ vai investigar juiz que usou tese inventada pelo ChatGPT para escrever decisão

CNJ vai investigar juiz que usou tese inventada pelo ChatGPT para escrever decisão

O CNJ (Conselho Nacional de Justiça) vai investigar uma sentença assinada por um juiz federal da 1ª Região que foi, na verdade, feita por inteligência artificial, a partir do uso do ChatGPT.

Caso foi descoberto porque decisão se baseou em falsa jurisprudência do STJ

O caso poderia ter passado batido não fosse o fato de a inteligência artificial ter inventado, para basear a decisão, uma jurisprudência do STJ (Superior Tribunal de Justiça) que não existe. Por causa disso, o advogado derrotado percebeu a fraude e acionou a Corregedoria Regional de Justiça Federal da 1ª Região.

“Chegou ao meu conhecimento caso em que uma ferramenta de IA generativa, utilizada como assistente de minuta de ato judicial, apresentou como resultado de pesquisa jurisprudencial precedentes inexistentes”, disse o desembargador Néviton Guedes, corregedor da Justiça Federal da 1ª Região, em uma circular.

No texto, Néviton recomenda aos juízes e desembargadores que “não sejam utilizadas para a pesquisa de precedentes jurisprudenciais ferramentas de IA generativas abertas e não homologadas pelos órgãos de controle do Poder Judiciário”.

O desembargador também advertiu que o uso indiscriminado de inteligência artificial acarreta “responsabilidade do magistrado competente”, com qual qual “todos os servidores, estagiários e colaboradores envolvidos devem concorrer”.

Néviton destacou que o CNJ autorizou, por meio da Resolução 332/2020, a utilização de inteligência artificial pelo Judiciário, porém estabelece uma série de balizas éticas para assegurar que o uso atenda ao objetivo de promover “o bem-estar dos jurisdicionados e a prestação equitativa” da jurisdição, e que as ferramentas podem no máximo auxiliar os juízes.

O juiz que utilizou o ChatGPT tratou o caso como “mero equívoco” decorrente de sobrecarga de trabalho e disse que parte da sentença foi feita por um servidor.

A apuração sobre o episódio foi arquivado na Corregedoria da 1ª Região, mas agora o caso será analisado no Conselho Nacional de Justiça.

Clique aqui para ler a circular da Corregedoria da 1ª Região

Lei 14.831/2024 – Nova lei da empresa promotora da saúde mental e do bem-estar dos trabalhadores

O que diz o “Future of Jobs Report” sobre o futuro do trabalho e a economia mundial?

O Future of Jobs Report, conhecido relatório publicado pelo Fórum Econômico Mundial, é anunciado como indicativo para as repercussões humanas no cenário empresarial e laboral, especialmente com ênfase às mudanças tecnológicas e as novas habilidades necessárias para adaptação ao curso tecnológico.

Isso porque, nos últimos cinco anos dos relatórios emitidos pelo Fórum Econômico Mundial é comum a constatação de projeções pautadas em novas características necessárias à busca, manutenção e destaque laboral. Termos como hard skillssoft skills, upskilling e reskilling tornam-se cada vez mais usuais.

Entre as classificações adotadas neste cenário, assume uma visualização em três competências basilares: o conhecimento técnico, as habilidades de comunicação e transformação colaborativa, bem como a requalificação e aperfeiçoamento. A previsão não é de um único e capacitado profissional, o que relativiza o próprio conceito de capacitação. A previsão é de um profissional flexível ou multiprofissional.

Por outro lado, a economia global é marcada por projeções, especialmente de cunho tecnológico, com protagonismo das duas principais potências internacionais que buscam demarcar a orientação da comunidade internacional no futuro próximo: Estados Unidos e China. A escolha pelos dois países não significa diminuir a importância de outros atores internacionais, porém de visualizá-los, conforme a estratégia global que vem sendo estabelecida pelos territórios norte-americano e chinês.

Dentro da organização laboral de cada território existem severas e consideráveis alterações.

Os Estados Unidos estão pautados na ênfase da individualidade e autonomia do trabalhador, com uma estrutura que busca condicionar o labor e a vida pessoal. Em contrapartida, a China possui uma estrutura mais rígida, voltada ao trabalho coletivo, com jornada de trabalho definida. Isso reflete também nas hierarquias organizacionais e em aspectos como gestão e tomada de decisão. Nos Estados Unidos a tendência se amolda para uma hierarquia mais horizontal, decorrente da flexibilidade e na descentralização do trabalho, enquanto na China é mais presente a figura de uma autoridade, mediante uma abordagem mais centralizada.

Para o trabalhador, isso significa que há uma maior rotatividade laboral na economia americana, quando comparada à economia chinesa. A descentralização e flexibilização do labor permite uma maior sensação de liberdade, ao mesmo tempo em que a centralização e o rigor chinês promovem maior estabilização e estruturação.

De forma ocidental, a dicotomia entre a estrutura laboral de ambas as nações relembra a competitividade do modelo econômico de Reno e o modelo anglo-americano descrito pelo banqueiro francês Michel Albert. A estrutura laboral de cada território e sua visualização no Future of Jobs Report marcam uma transição pautada no objetivo do trabalhador.

No âmbito do desenvolvimento pessoal, habilidades de comunicação e transformação colaborativa decorrente de soft skills no modelo econômico americano auxiliam no processo de independência e flexibilização, justamente pela maior movimentação permitida pelos elementos comunicativos.

Por outro lado, as soft skills nas estruturas organizacionais chinesas auxiliam no processo de tomada de decisão e na aceleração da projeção dentro de um sistema mais rigoroso.

As hard skills e as habilidades de requalificação e aperfeiçoamento apresentam convergência em ambos os modelos, motivada justamente pela repercussão global da economia e pelo implemento da tecnologia em larga escala.

China e Estados Unidos demandam profissionais capacitados para lidar com a tecnologia da informação, setores de energia, manufatura aditiva, ciência e pesquisa. A mesma demanda por esses profissionais enraíza a necessidade de aderir a novas qualificações e aperfeiçoar os conhecimentos pré-existentes para se adaptar às influências da inteligência artificial e tecnologia emergente. Sobre esse último ponto, ganha destaque o recente programa do governo chinês denominado Plano de Desenvolvimento de Inteligência Artificial de Próxima Geração e os constantes programas americanos de upskilling em inteligência artificial implementados no setor empresarial e universitário.

No ano de 2022, o governo chinês anunciou severos e constantes investimentos em infraestrutura e tecnologia rural. Em 2023, houve uma iniciativa global liderada pelos Estados Unidos e pelos Emirados Árabes Unidos para investir cerca de US$ 8 bilhões em agtechs nos próximos cinco anos, são exemplos da amplitude do setor tecnológico e do intento de adaptação do mercado de trabalho em diferentes eixos.

Atualmente, os Estados Unidos buscam a ratificação da hegemonia econômica alcançada no século passado, com proeminentes investimentos em tecnologia. A China busca fugir de uma possível estagnação econômica e continuar seu processo de expansão.

Os efeitos da globalização e a análise de projeção de investimentos é também objeto passível de constatação no Report do Fórum Econômico Mundial. O documento aborda que as tendências pela expansão global levaram as organizações a aprimorarem tanto fatores de resiliência em sua cadeia de suprimentos e formas de distribuição de riscos.

O aprimoramento dos fatores de resiliência ocorreram através de estratégias de nearshoring e friendshoring com atração de atividades produtivas em localidades relativamente próximas e cooperação com parceiros situados nesta localidade. A distribuição de riscos se deu através de estratégias governamentais promovidas pelos próprios países onde estão situadas essas organizações. Neste campo teve destaque a estratégia do governo chinês China+1 com as empresas multinacionais, ao conseguir manter bases de produção na China e diversificar as bases de fornecedores para outros territórios.

A medida adotada pelo China+1 revelou ser importante para o setor leste asiático que acaba por se beneficiar da diversificação nessa conexão entre produção e fornecimento. Em contrapartida, a medida também é uma forma de reduzir a demanda de empresas europeias e norte-americanas que moveram parte de sua cadeia produtiva para bases de operação mais próximas.

Em interpretação a estratégia chinesa, remete ao que escreve o diplomata Henry Kissinger em Sobre a China, quando aborda a estratégia wei chi, com a exposição de circunstâncias comunicativas como ideia de controle territorial externo para fins de preservação externa.

A história internacional nesse sentido corrobora também a estratégia chinesa.

É importante lembrar que a China possui histórico milenar, ainda nebuloso de profundo conhecimento pelo Ocidente. Em relação à economia e território, a China manteve a hegemonia asiática por longo período. O historiador Angus Maddison afirmava que no século 19, o Produto Interno Bruto (PIB) per capita chinês era superior ao PIB do lado ocidental europeu e cerca de quatro vezes maior do que comparado ao próprio PIB no século 17. A história revela que a China foi acostumada à expansão e a estabelecer o domínio, com período mais duradouro quando comparada a ascensão e controle americano estabelecido a partir do século 19.

Na esfera prática isso representa um desafio ao estabelecimento da economia capitalista provocada pelo neoliberalismo americano e ao desafio perante a própria tentativa de proeminência chinesa frente ao processo de globalização e da implementação tecnológica crescente no século 21.

A expectativa abordada no Report de como será enfrentado esse desafio é baseada em ramos de desenvolvimento exponencial dos territórios asiáticos, a exemplo do aumento da transformação digital e da ampliação da estratégia digital, com a maior contratação de profissionais especializados em comércio eletrônico.

Outro ponto relevante é o investimento crescente para a transição verde. Depois da pandemia foi informado o gasto global de US$ 1,8 trilhão em sustentabilidade.

Nesses investimentos, a China se destaca pelo compromisso de neutralidade de carbono e os Estados Unidos pelo Ato de Redução da Inflação, com investimento na economia verde. Os Estados Unidos saem na frente no montante investido na transição e em medidas como o padrão Environmental, Social and Governance (ESG).

O progressivo investimento verde por ambas potências globais ressalta o aumento da taxa de empregabilidade na área, com o alerta para a melhora das condições laborais dos industriários.

Comparativamente, marca também um posicionamento americano, com o aumento de investimentos interligados à sustentabilidade, que pode prejudicar ou influenciar uma nova orientação a padronização das relações contínuas estabelecidas com alguns países participantes da Organização de Países Exportadores de Petróleo (Opep). Dentro do relatório do Fórum Econômico Mundial é ressaltado que investimentos em energias renováveis e eficiência energética vem gerando mais empregos em curto prazo quando comparado aos investimentos em combustíveis fósseis.

Trata-se de interessante movimento estadunidense que busca preservar as relações com a Opep e que de certa forma estimula a empregabilidade perante o setor, mas ao mesmo tempo busca a diversificação sustentável, o que também acaba por gerar investimentos no setor da energia renovável, especialmente na área do carbono.

Em contrapartida, a China busca estabelecer alianças a partir do compromisso sustentável, a exemplo da construção de redes com países que participam do Brics e do G20. Já os Estados Unidos na consolidação das conexões com territórios do Oriente Médio e da rede comercial com alguns territórios asiáticos como Vietnã, Taiwan e Cingapura.

Inclusive, recentemente, houve uma disputa de aliança pelos países que integram o Mercosul, com o desacordo entre o bloco e a União Europeia na tentativa de estabelecimento de uma rota de livre comércio e a declaração do governo uruguaio em estabelecer uma relação bilateral com a China.

A verificação das relações indica também o posicionamento do aumento de investimento e das áreas tendentes à promoção de determinadas espécies de profissionais.

No território chinês, fruto das negociações extraterritoriais, estima-se o crescimento de setores de serviços financeiros, varejo e atacado de bens de consumo, bem como cadeia de suprimentos e transporte nos próximos anos.

A adaptação desses setores à tecnologia são refletidos em investimentos no setor industrial automotivo e aeroespacial, como no eixo da manufatura aditiva, aceleramento produtivo, inclusive com o investimento de natureza de upskilling e reskilling para fins de capacitação profissional.

Alerta-se para que esta transformação não busca a promoção do emprego, mas de estabelecer o crescimento do aspecto econômico nas relações externas. A tecnologia, especialmente ao falarmos de inteligência artificial, mantém certa crueldade quando diz respeito ao crescimento da taxa de empregabilidade. Se espera o encerramento de dois milhões de postos de trabalho nos próximos anos para trabalhadores de montagem e de fábrica, fruto da queda da demanda de força de trabalho nas indústrias em processo de implementação da manufatura aditiva. De mesmo modo, a preocupação pelo desemprego em massa fruto da inserção ampla da inteligência artificial é sentida em solo americano que registrou um aumento de 20% de demissões no mês de maio de 2023.

Essa variante se dá ao encerramento de profissões que podem ser substituídas pela IA e retomam aos desenvolvimentos dos eixos de soft skills, hard skills, upskilling e reskilling propagados nos últimos relatórios do Fórum Econômico Mundial sobre projeções das atividades laborais.

Como projeção, o território chinês e os demais provenientes a celebrar ou em corrente celebração de acordos tendem a ter um maior investimento e empregabilidade em setores como encriptação, cibersegurança, Internet of Things (IoT) e machine learning. Enquanto no território americano, observada a liderança no investimento em transição verde, há também uma maior probabilidade de crescimento profissional no setor que envolve ciência e análise de dados, gerentes de projetos, contadores e auditores, nos próximos cinco anos.

A tendência americana também revela uma maior contratação de profissionais de ensino médio e superior concluídos, quando comparado ao território chinês que possui maior margem de contratação de trabalho vulnerável. A diferença apontada chama atenção, uma vez que no Report há uma tendência pela busca do profissional pelo território chinês com hard skills mais equilibradas, ou seja com pré conhecimento técnico, enquanto o território americano apresenta a busca por uma relação mais equilibrada entre habilidades técnicas e comunicativas, com leve inclinação para a última.

Uma breve análise do Future of Jobs Report de 2023 constata a necessidade de constante análise dos arranjos econômicos internacionais que direcionam tendências econômicas e profissionais que, dentro do indeterminismo dinâmico da modernidade, permite que seja visualizada uma leve pista do futuro.

Sobre o questionamento com origem no patoá realizado no início desta discussão, a tendência vai para além de que a economia movimente os trabalhadores, ao instante em que revela a necessidade laboral e econômica de que ambos os eixos não sejam movimentados pelas máquinas.

Por Matheus Soletti Alles

https://www.conjur.com.br/2023-nov-05/matheus-alles-relatorio-futuro-trabalho

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