A arbitragem, como exercício de cidadania, desempenha um papel fundamental na resolução de conflitos de maneira célere, qualificada e especializada, através da oportunização de que as partes envolvidas em um litígio tenham um papel ativo na escolha, de comum acordo, do árbitro, na seleção das regras de procedimento e na formulação da convenção de arbitragem. Tal fato empodera os cidadãos ao fazer com que eles influenciem diretamente o processo de resolução de disputas, bem diversamente do que ocorre com a jurisdição pública, através do Poder Judiciário, cujo julgador é posto pelo Estado e cujas regras também são pré-estabelecidas para todos pelo Estado.
Infelizmente, a arbitragem ainda é restrita a poucos, fruto do seu não suficientemente explicado altíssimo custo em território nacional. Ainda é apresentada, quando é apresentada, como matéria eletiva nas graduações de Direito, e o exame de ordem não a contempla satisfatoriamente.
O país permanece, assim, tendo o acesso à justiça, de forma massiva, sendo realizado pela porta do Poder Judiciário. As portas da negociação, da conciliação, da mediação, do disput board e da arbitragem, vêm objetivamente sendo negligenciadas.
A arbitragem, apesar de crescimento contínuo e consolidado, estando o Brasil em destaque mundial no uso da arbitragem, está muito longe de ser conhecida pela população e pelos advogados, e mais longe ainda de estar acessível e democratizada, via redução dos valores constantes das tabelas de custas das câmaras arbitrais existentes no país.
Não, a arbitragem não é “gourmet”. Não, a arbitragem não é “essencialmente elitizada”. Não, a arbitragem não é “apenas adequada para específicos litígios de alto valor e complexidade”. A arbitragem, segundo a lei vigente, aplica-se a direitos patrimoniais disponíveis e ponto. E, a lei tem a todos como destinatário e deve sim beneficiar a todos que possam pagar por uma jurisdição privada com inúmeras virtudes. Ao se elitizar, na prática, o instituo, se coloca esse meio adequado de solução de conflitos em crise, pois a vinda longa e a oxigenação de todo instituto, se dá com a sua disseminação, com o seu estudo e com a sua prática.
Ainda assim, a arbitragem bateu recorde com bilhões de reais em disputa no país. Conforme estudo da professora Selma Lemes, a maioria dos conflitos envolve questões societárias, de energia, de construção civil e também trabalhista. Em 2005, existiam apenas 21 processos arbitrais, que envolviam R$ 247 mil. Uma década depois, em 2015, foram contabilizados 222 novos casos, somando R$ 10,7 bilhões. Já, em 2021 e 2022, foram registrados 658 novos procedimentos, em um total de R$ 95 bilhões.
Todo esse mais recente volume dos últimos anos fez com que as câmaras atingissem marcas também recordes de casos em andamento e tivessem que ampliar toda a sua estrutura. Nesse sentido, no ano 2021, tramitaram 1.047 procedimentos. Já, ao fim do ano de 2022, segundo a pesquisa da festejada Selma Lemes, estavam em tramitação 1.116 procedimentos, o que representa uma alta de quase 7% em relação ao ano anterior.
Somente as agências reguladoras são parte em 22 casos, que, juntos, somam mais de R$ 500 bilhões, segundo dados da Advocacia-Geral da União (AGU).
Apesar de todo esse recorde, apenas como comparação, tramitam na jurisdição estatal, via Poder Judiciário, segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), aproximadamente 100 milhões de processos judiciais.
Portanto, como meio de consolidar a cidadania em nosso país, necessária cada vez mais informação e aculturamento à sociedade quanto ao uso dos métodos adequados de pacificação de conflitos, dentre eles, a arbitragem. Carece, deste modo, a formação da cultura do estudo e uso da arbitragem como ferramenta adequada para solução de litígios de forma especializada, célere e segura, visando à entrega de um serviço útil e eficiente às partes litigantes.
fonte: https://www.conjur.com.br/2023-out-16/britto-silva-arbitragem-exercicio-pleno-cidadania