Justiça em números: Com 31,5 milhões de casos novos, Poder Judiciário registra recorde em 2022

Justiça em números: Com 31,5 milhões de casos novos, Poder Judiciário registra recorde em 2022

Os brasileiros nunca acessaram tanto o Poder Judiciário quanto em 2022. Ingressaram na Justiça, nesse período, 31,5 milhões de ações, o que corresponde a um incremento de 10% em relação ao ano anterior. O volume é recorde da série histórica, conforme as estatísticas que constam da última edição do “Relatório Justiça em Números”, com base nos dados consolidados pelo Conselho Nacional de Justiça ao longo dos últimos 14 anos.

Segundo consta do trabalho, apresentado nesta terça-feira (28/8), durante a 2ª Reunião Preparatória para o 17º Encontro Nacional do Poder Judiciário, o recorde é efeito da retomada dos níveis de demanda observados no período pré-Covid-19, bem como do aumento do acesso à Justiça. Ao se considerar apenas as ações ajuizadas pela primeira vez em 2022 — sem, portanto, os casos em grau de recurso e as execuções judiciais —, o total é de 21,3 milhões de processos, índice 7,5% maior do que no ano anterior.

Em 2022, foram baixados 30,3 milhões de processos, o que também corresponde a um incremento considerável: crescimento de 10,8% em relação ao período anterior. Principal fonte das estatísticas oficiais do Poder Judiciário, o relatório mostra ainda que o total de casos julgados no ano passado atingiu 29,1 milhões, um aumento de 2,9 milhões (10,9%) em relação a 2021.

Tramitaram no Judiciário brasileiro 81,4 milhões de processos em 2022, dos quais 17,7 milhões estavam suspensos, sobrestados ou em arquivo provisório, aguardando alguma situação jurídica futura. Desconsideradas essas ações, ao fim do ano restavam ainda 63 milhões de ações judiciais em tramitação.

 

Arrecadação e despesas
Como esperado, houve um aumento nas despesas do Poder Judiciário em 2022, ano que representou a normalização após dois anos de epidemia e o consequente esquema de trabalho remoto nos tribunais brasileiros. “Esse é um ano de retomada, tanto em processos quanto, em consequência, também dos custos, com a volta dos serviços presenciais”, salientou a diretora executiva do Departamento de Pesquisas Judiciárias do CNJ, Gabriela Soares.

As despesas totais da Justiça brasileira somaram R$ 116 bilhões, aumento de 5,5% em relação ao ano anterior. Contudo, desconsiderado o efeito da inflação, o gasto do ano passado foi equivalente ao registrado sete anos atrás, em 2015. Em decorrência da atividade jurisdicional, os cofres públicos receberam durante o ano de 2022 R$ 67,85 bilhões, ou seja, um retorno de 58% das despesas efetuadas.

Desse total arrecadado, R$ 33 bilhões decorrem do pagamento de dívidas por execução fiscal e R$ 19,7 bilhões, do recolhimento de custas. Também estão incluídas nesse total outras receitas, como as cobradas em impostos, em execução previdenciária, em execuções de penalidades impostas pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho e em Imposto de Renda.

De acordo com o “Justiça em Números”, o Judiciário brasileiro presta serviços gratuitos à população, sem cobrança de custas, em quase metade das ações: 21,9% dos casos em tramitação são criminais ou de Juizados Especiais, em que não incidem cobranças; e, entre os demais processos, 29% tiveram concessão de assistência judiciária gratuita.

Novo painel
Na apresentação do relatório, entre as novidades anunciadas pela juíza auxiliar da Presidência do CNJ e coordenadora do Departamento de Pesquisas Judiciárias do CNJ, Ana Lúcia Aguiar, está a tradução do “Justiça em Números” para o inglês e o espanhol.

A coordenadora do DPJ destacou ainda o lançamento de nova versão do Painel Justiça em Números. “Em 2022, nós lançamos o painel de estatísticas que tem os dados processuais, mas ainda nos faltavam os dados de receitas, despesas e os dados de pessoal, que agora foram incluídos.”

A magistrada também mencionou algumas mudanças metodológicas na produção do relatório. Neste ano, pela primeira vez os termos circunstanciados (TCO) passaram a ser computados nas estatísticas judiciárias nacionais, por se tratarem de procedimentos resolvidos por meio de decisão.

No relatório, foram consolidadas informações referentes a 91 órgãos do Poder Judiciário, elencados no artigo 92 da Constituição de 1988, excluídos o Supremo Tribunal Federal e o CNJ, que possuem estatísticas à parte.

Dessa forma, o “Justiça em Números” contempla dados dos 27 Tribunais de Justiça estaduais (TJs); dos seis Tribunais Regionais Federais (TRFs); dos 24 Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs); dos 27 Tribunais Regionais Eleitorais (TREs); dos três Tribunais de Justiça Militar Estaduais (TJMs); do Superior Tribunal de Justiça; do Tribunal Superior do Trabalho; do Tribunal Superior Eleitoral  do Superior Tribunal Militar. Com informações da assessoria de imprensa do CNJ.

Clique aqui para ler a íntegra do “Relatório Justiça em Números 2023” 

TRT03: Justiça do Trabalho considera registro de conversas em WhatsApp meio de prova lícito para apuração de falso testemunho

TRT03: Justiça do Trabalho considera registro de conversas em WhatsApp meio de prova lícito para apuração de falso testemunho

Ao decidir controvérsia em ação envolvendo pedido de indenizações por danos morais e materiais feito por filho de trabalhador falecido em acidente de trabalho, a juíza Solainy Beltrão dos Santos, no período em que atuou na Vara do Trabalho de Sabará, apurou a existência de falso testemunho.

Por meio do registro de conversas no aplicativo WhatsApp, realizadas entre duas testemunhas ouvidas no processo, a juíza constatou que uma delas reconheceu ter mentido em juízo quanto ao tempo em que teria trabalhado na empresa, embora, para a julgadora, as razões para tanto não tenham ficado muito claras.

Entenda o caso

O registro das conversas foi apresentado pela empresa com o objetivo de provar suas alegações de que a testemunha do autor mentiu ao prestar depoimento em audiência.

O autor sustentou que a gravação das conversas seria ilícita e, dessa forma, não poderia ser aceita como meio de prova, tendo em vista que a testemunha “não tinha o conhecimento prévio de que estava sendo gravada”.

Mas a tese do autor não foi acolhida pela magistrada, que reconheceu a validade da prova digital e determinou que o depoimento da testemunha fosse desconsiderado como meio de prova. A julgadora ainda determinou a expedição de ofício ao Ministério Público Federal com cópia da sentença e documentos pertinentes, para a apuração de possível crime de falso testemunho, previsto no artigo 342 do Código Penal.

Entendimento do STF

Na sentença, a juíza ressaltou, inicialmente, não se tratar de gravação propriamente dita e sim de “registro de conversa no aplicativo do WhatsApp, em que se envia mensagens de texto, fotos e áudios”. Em seguida, esclareceu que está sedimentado pelo Supremo Tribunal Federal-STF (RE 583.937-QO-RG, rel. min. Cezar Peluso, j. 19/11/2009) que a gravação de conversa feita por um dos interlocutores, ainda que sem o conhecimento do outro para fins de prova de direito, não é ilícita e pode ser usada em processo, desde que um dos interlocutores faça a gravação (gravação clandestina), que pode ser pessoal, telefônica ou ambiental. “Esse é, indubitavelmente, o caso dos autos, pois foi a testemunha (….), um dos interlocutores, quem fez a gravação”, pontuou a magistrada, acrescentando que “tal espécie difere da interceptação telefônica, que é captação da comunicação por terceiro sem o conhecimento dos interlocutores”.

A juíza ressaltou ainda que a gravação clandestina tem sido considerada válida pelo STF desde que observados os limites legais, por exemplo: ausência de causa legal de sigilo ou reserva decorrente de relações profissionais ou ministeriais, de tutela da intimidade ou de outro valor jurídico. “Dessa forma, não há falar em ilicitude da conversa trazida aos autos”, concluiu na decisão.

Prova digital

Sobre a prova produzida (registro das conversas no WhatsApp), no entendimento da juíza, não há dúvida de que deve ser admitida, com base no artigo 332 do CPC, por ser “moralmente lícita”. Segundo pontuou, diante da multiplicidade das relações sociais e conflitos decorrentes, as provas digitais têm adquirido importância, por trazerem registros digitais aos fatos que se pretende provar, tendo sido muito utilizadas no âmbito da Justiça do Trabalho.

Constou da sentença que a validade da prova digital depende de três fatores: autenticidade, integridade e preservação da cadeia de custódia. “Tais pressupostos – que não são exclusivos das provas digitais – visam ao respeito à atividade probatória, permitindo que a prova digital seja utilizada no processo sem alegações de invalidade, preservando-se sua higidez com meio apto ao convencimento do julgador sobre a verdade dos fatos”, explicou a magistrada, concluindo que, no caso, esses requisitos estiveram presentes.

Houve autenticidade e integridade, pois intimado a se manifestar, o autor confirmou a existência da conversa e até usou parte dela para a defesa da qualidade do depoimento da testemunha ouvida”,  observou a julgadora. Ponderou ainda que a “cadeia de custódia” foi preservada, tendo em vista a construção de um registro histórico da prova por meio de registro em cartório, conforme ata notarial que atestou a existência da conversa, lavrada por tabelião, nos termos do artigo 384, caput e parágrafo único do CPC.

Documento dotado de fé pública e não impugnado quanto ao conteúdo

Na sentença, ressaltou-se que o documento contendo o registro das conversas no aplicativo do WhatsApp não foi impugnado pelo autor quanto ao seu conteúdo e deve ser considerado como meio de prova válido, no termos do artigo 405 do CPC, sendo, inclusive, dotado de fé pública, já que registrado em cartório.

Pela análise do documento, assim como de áudios contidos em link apresentado pela empresa, a julgadora notou que a testemunha do autor, em conversa com uma testemunha da empresa, expressamente declarou que teve que mentir em audiência, ao ser questionada pelo advogado (ao que tudo indica, o advogado da empresa) sobre questões relativas ao tempo em que teria trabalhado na ré.

No atual estágio do processo civil democrático, todos têm o dever de colaborar com a Justiça para a busca da verdade possível (art. 378 do CPC) e, no caso das testemunhas, estas prestam o compromisso de dizer a verdade do que souber e lhe for perguntado, sendo advertidas que incorrem em sanção penal quem faz afirmação falsa, cala ou oculta a verdade, nos termos do que versa o art. 458, parágrafo único do CPC”, concluiu a juíza na sentença.

Reparações relativas ao acidente de trabalho – Dano moral – Pensão mensal – Motorista de carreta – Atividade de risco

O autor ingressou com a ação trabalhista pretendendo receber da empresa, entre outros, indenização por danos morais e materiais em decorrência da morte do pai em acidente do trabalho. O pai foi vítima de acidente de trânsito fatal quando, na qualidade de empregado da ré, exercia a atividade de motorista de carreta.

Na sentença, foi reconhecida a responsabilidade objetiva da ex-empregadora pela ocorrência do acidente que causou a morte do trabalhador, por se tratar de atividade de risco.  Essa modalidade de responsabilidade está prevista no artigo 927, parágrafo único, do Código Civil e dispensa a existência de dolo ou culpa, configurando-se nos casos especificados em lei ou quando a atividade normalmente desenvolvida implicar, por sua natureza, riscos para os direitos de terceiros. Em casos como esses, para o cabimento da compensação, basta a ocorrência do dano e a presença do nexo causal.

A função do reclamante, sem dúvida, envolvia riscos aos direitos da coletividade, sendo a jurisprudência harmônica no sentido que ‘a profissão de motorista se enquadra nas atividades consideradas de risco’”, destacou a juíza.

Culpa exclusiva da vítima não reconhecida

A empresa alegou que o acidente decorreu de culpa exclusiva do motorista, que agiu de forma imprudente, tendo em vista que o laudo pericial e leitura do tacógrafo demonstrou que ele trafegava em velocidade superior à permitida no trecho.

Mas a julgadora ressaltou não ter havido prova de que a conduta do trabalhador foi determinante para o acidente. Isso porque constou da perícia que o acidente decorreu da “perda do comando direcional” do caminhão, “por motivo que não pôde ser comprovado tecnicamente”. Nesse quadro, para a magistrada, pode-se afirmar ter havido culpa concorrente do motorista, mas não exclusiva, o que é insuficiente para afastar o dever de indenizar, tendo em vista a presença do dano e do nexo de causalidade com o trabalho.

Danos morais

Constou da sentença que o dano, no caso, é presumindo, por serem evidentes a dor, o sofrimento e o abalo psicológico sofridos pelo autor em decorrência da perda do pai. Ressaltou-se que a valorização do trabalho e da dignidade humana encontram respaldo Constituição Federal de 1988.

Com base nos artigos 5º, X e V, da CF/1988, bem como nos artigos 186 e 927 do Código Civil, a juíza concluiu pela existência de dano moral a ser reparado e condenou a empresa a indenizar o autor pela lesão moral decorrente da perda de seu pai, que exercia de atividade de risco.

O valor da indenização foi fixado na sentença em R$ 40 mil, considerando-se o caráter compensatório e punitivo da reparação, o bem jurídico tutelado, a concorrência no infortúnio, os reflexos sociais da ação da empresa e a intensidade do sofrimento.

Danos materiais

A empresa também foi condenada a pagar indenização por danos materiais ao autor, em razão da morte do pai, consubstanciada em pensão mensal, correspondente a 1/3 do valor recebido como salário pelo empregado falecido, desde o mês subsequente à morte do trabalhador até a data em que o autor completar 21 anos, ou venha a falecer (por aplicação analógica do artigo 16, I, da Lei 8.213/1991).

Recurso – majoração da indenização

O autor interpôs recurso ordinário, o qual foi decidido pelos julgadores da Primeira Turma do TRT-MG. Por unanimidade, foi acolhido o entendimento da relatora, juíza convocada Ângela Castilho Rogêdo Ribeiro, que deu provimento parcial ao recurso, para elevar a indenização por danos morais para o valor de R$ 80 mil, bem como para fixar que a pensão devida ao dependente deve equivaler a 2/3 do salário do pai, paga até o autor completar 24 anos, conforme limite do pedido.

“A indenização, em casos como destes autos, não tem o efeito de reposição da perda, no sentido de retornarem as partes ao status quo ante, até mesmo porque é impossível, e, portanto, deve ser arbitrada ao prudente arbítrio do julgador sempre com moderação, não podendo se constituir em enriquecimento do beneficiário ou ser causa da desestabilidade financeira do causador do dano”, destacou a relatora.

Para a elevação do valor da indenização por danos morais foram considerados todos os aspectos do caso, “notadamente o acidente fatal do empregado quando no desempenho de suas atividades e a capacidade econômica da reclamada”.

Quanto ao valor da pensão mensal a ser paga ao herdeiro, entendeu-se que deve corresponder a 2/3 do valor do salário do trabalhador, por considerar que o falecido despendia cerca de 1/3 dos rendimentos com despesas pessoais.

O reconhecimento de que a pensão deve ser paga ao autor até que ele complete 24 anos (limite do pedido) baseou-se em jurisprudência pacificada no TST, no sentido de que a presunção de dependência dos filhos menores, para fins de indenização civil, autoriza o deferimento da pensão, por lucro cessante, até os 25 anos, não se confundindo com a legislação previdenciária, no particular.

Houve recurso de revista, que foi analisado pelo TST. O processo já retornou à Vara do Trabalho de Sabará, onde foi iniciada a fase de execução.

Fonte: https://portal.trt3.jus.br/internet/conheca-o-trt/comunicacao/noticias-juridicas/justica-do-trabalho-considera-registro-de-conversas-em-whatsapp-meio-de-prova-licito-para-apuracao-de-falso-testemunho

ANPD aplica sua 1ª sanção com base na LGPD. O que isso significa?

ANPD aplica sua 1ª sanção com base na LGPD. O que isso significa?

Na edição de 6 de julho de 2023 do Diário Oficial da União, foi publicado o despacho da Coordenação-Geral de Fiscalização da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), tratando da primeira decisão administrativa brasileira de aplicação de sanção com base na Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) — Lei nº 13.709/18.

Sem entrar no mérito das capacidades estruturais da Autoridade para fazer frente às demandas inauguradas pela LGPD e o fato de que apenas essa empresa — como ente privado e agente de pequeno porte- figurava na lista das partes envolvidas em processos sancionatórios, publicada em março deste ano, a decisão traz seus aprendizados. Parece ser oportuna a tarefa dos especialistas de analisar os desdobramentos desse primeiro caso para distintos setores da indústria e observar o horizonte com cautela.

Muito resumidamente, as irregularidades apuradas no processo administrativo foram: (1) ausência de comprovação de base legal de tratamento de dados pessoais; (2) ausência de registro de operações de tratamento de dados (RoPA); (3) não apresentação de Relatório de Impacto à Proteção de Dados Pessoais (RIPD); (4) inexistência de um encarregado de dados (DPO); e, (5) não atendimento a requisições feitas pela ANPD. Considerando a apuração, a ANPD decidiu aplicação de um conjunto de sanções para a empresa de telemarketing: (1) advertência, por infração ao art. 41 da LGPD (ausência ou irregularidade de nomeação de Encarregado de Dados — DPO); (2) multa simples no valor de R$ 7.200,00, por infração ao artigo 7º da LGPD (ausência de base legal de tratamento de dados pessoais); e (3) multa simples no valor de R$ 7.200,00, por infração ao artigo 5º do Regulamento de Fiscalização (Resolução CD/ANPD nº 1/21), especialmente diante da ausência de cumprimento deveres, pelo agente regulado, durante a fiscalização.

Primeiramente, a sanções aplicadas à empresa de telemarketing inauguram o conjunto de decisões da ANPD resultando em imposição de sanções e multas da LGPD, passíveis de serem aplicadas desde agosto de 2022. A Autoridade deve — é uma expectativa — avançar em outros processos administrativos sancionatórios instaurados por sua Coordenação-Geral de Fiscalização, contribuindo com construção de um repertório de casos que se somam à experiência internacional de autoridades nacionais de proteção de dados de outros países (como as autoridades argentina, a BfDI alemã, a CNIL francesa, AEPD espanhola e ICO do Reino Unido). Trata-se de uma atuação a escrutinar ou controlar também outras práticas e irregularidades levadas a cabo por agentes de tratamento de diversos portes no Brasil.

Da mesma forma, as multas combinadas traduzem a resposta da ANPD sobre condutas de violação à LGPD que foram apuradas no conjunto e contexto. Tecnicamente, a ausência de base legal de tratamento, a inexistência de registros de operações de tratamento de dados pelo agente (infringindo positivamente a obrigação legal contida no artigo 37 da LGPD), e não submissão de um Relatório de Impacto à Proteção de Dados Pessoais — RIPD (artigo) compõem o conjunto de violações decisivas para a delimitação do resultado sancionatório e dosimetria na aplicação das sanções pela ANPD nesse processo. Esse aspecto demonstra que a Autoridade está inclinada a considerar essas violações como base para imposição de multas, pelo maior peso sancionador.

A ausência de um encarregado de dados pessoais (DPO), por sua vez, é capaz de fazer verificar uma situação de inconformidade das práticas do agente de tratamento em relação às obrigações da lei. Isso porque a obrigação de indicação de um encarregado vincula o agente de tratamento a divulgar publicamente, de forma clara e objetiva, preferencialmente em seu sítio eletrônico, as informações de identidade e de contato da pessoa tida como DPO (artigo 41, LGPD). O encarregado, segundo a LGPD, é a “pessoa indicada pelo controlador e operador para atuar como canal de comunicação entre o controlador, os titulares dos dados e a Autoridade Nacional de Proteção de Dados”.

Aqui, no entanto, considerados inclusive o porte e a natureza da atividade econômica realizada pela empresa sancionada no setor de telemarketing — a ANPD confere uma oportunidade de revisão e correção da prática irregular pela empresa sancionada em virtude do caráter também preventivo e educativo da sanção de advertência, em contraposição à multa.

O recado não pode ser desprezado por diferentes setores da indústria, especialmente de médio e grande porte, que há meses encontram dificuldades em admitir a necessidade de revisar suas práticas de adequação à LGPD no Brasil.

Ainda encaram as obrigações relativas à proteção de dados pessoais como ônus, despesas, sem se darem conta de que boas práticas e um regime de governança de privacidade e proteção de dados há tempos são exigências do comércio internacional, da proteção efetiva de direitos fundamentais de titulares de dados, consumidores, pacientes, cidadãos.

Mais recentemente boas práticas e governança de privacidade de dados passaram a componentes para atendimento das metas previstas nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODSs), com os quais o Brasil também está comprometido. Nada mais é do que o velho apelo para que nosso país definitivamente venha a ter o mesmo destaque que seus pares na construção de um robusto regime de proteção de dados pessoais. Essa é tarefa para o momento.

Por Fabricio B. Pasquot Polido

Fonte: https://www.conjur.com.br/2023-jul-25/fabricio-polido-anpd-aplica-primeira-sancao-empresa

TRT03: Justiça do Trabalho considera registro de conversas em WhatsApp meio de prova lícito para apuração de falso testemunho

TRT-04: Uso de celular não caracteriza sobreaviso quando empregado não precisa ficar em local previamente determinado à espera do chamado, decide 7ª Turma

Um encarregado de obras que atendia chamadas de emergência no celular, fora do horário de expediente, mas sem a obrigatoriedade de permanecer em um local previamente determinado à espera do chamado, não estava em regime de sobreaviso. Este é o entendimento da 7ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS) na ação em que o trabalhador postulou o pagamento, como extras, das horas em que estaria à disposição do empregador. A decisão unânime do colegiado manteve a decisão da juíza Simone Silva Ruas, da 1ª Vara do Trabalho de Rio Grande.

Ao analisar o caso no primeiro grau,  a juíza Simone Silva Ruas ponderou que as chamadas ocorriam várias vezes ao mês, contudo, a atribuição do trabalhador era somente designar os empregados que deveriam atender ao serviço solicitado. A magistrada ainda ressaltou que o empregado apenas acionava as equipes, o que era feito da sua própria casa, pelo telefone, sem se deslocar até o local da emergência. “Além disso, nas hipóteses em que o autor não atendesse o telefone, seu superior hierárquico poderia subsidiariamente ser acionado nas mesmas condições”, concluiu a juíza, ao julgar improcedente o pedido.

A sentença destacou que o trabalho prestado em regime de sobreaviso, conforme previsto no parágrafo 2º do artigo 244 da CLT, é aquele em que o empregado, segundo determinação prévia, por meio de escalas predeterminadas, permanece à inteira disposição do empregador, fora do horário normal de trabalho, aguardando o chamado para o serviço. No entendimento da julgadora, não é o caso do processo, já que o encarregado não ficava à disposição da empresa, tampouco havia uma limitação ao seu período de descanso.

O trabalhador recorreu da sentença para o TRT-4. O relator do caso na 7ª Turma, desembargador Emílio Papaléo Zin, manteve o entendimento da sentença no sentido de que, para o pagamento de horas de sobreaviso, é necessária a obrigatoriedade de permanência do trabalhador em local previamente determinado, aguardando a qualquer momento, durante o período de descanso, o chamado para o serviço. “O autor não ficava em regime de sobreaviso propriamente dito, pois, durante o período em que ficava com o celular, fora das dependências da reclamada, era possível locomover-se livremente aos mais variados destinos, não havendo obrigatoriedade de permanência em local previamente determinado a espera de um chamado”, destacou o desembargador.

Nesse sentido, o julgador destacou o entendimento da Súmula nº 428 do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que estabelece: “I – O uso de instrumentos telemáticos ou informatizados fornecidos pela empresa ao empregado, por si só, não caracteriza o regime de sobreaviso. II – Considera-se em sobreaviso o empregado que, à distância e submetido a controle patronal por instrumentos telemáticos ou informatizados, permanecer em regime de plantão ou equivalente, aguardando a qualquer momento o chamado para o serviço durante o período de descanso”. Assim, porque não demonstrado que o empregado ficava limitado na sua liberdade de locomoção, não foi caracterizado o regime de sobreaviso.

Também participaram do julgamento o desembargador Wilson Carvalho Dias e a desembargadora Denise Pacheco. A decisão transitou em julgado, sem interposição de recurso.

Fim do corpo da notícia.
Fonte: texto de Bárbara Frank (Secom/TRT-4)
Inteligência Artificial no Meio Jurídico

Inteligência Artificial no Meio Jurídico

A inteligência artificial (IA) tem desempenhado um papel cada vez mais importante no meio jurídico, transformando a maneira como os profissionais do direito conduzem suas atividades e oferecem serviços aos clientes. A aplicação da IA no campo do direito tem potencial para melhorar a eficiência, precisão e acessibilidade da justiça.

Uma das áreas em que a IA tem sido amplamente adotada é a pesquisa jurídica. Anteriormente, os advogados e estudantes de direito precisavam passar horas pesquisando em volumes extensos de jurisprudência, leis e doutrinas legais. No entanto, com o desenvolvimento de sistemas de IA, é possível realizar pesquisas jurídicas de forma rápida e precisa, economizando tempo e recursos. Algoritmos de IA podem analisar grandes quantidades de dados legais, identificar padrões, relacionar casos semelhantes e fornecer insights valiosos para embasar argumentos jurídicos.

Além disso, a IA tem sido usada na automação de tarefas rotineiras e repetitivas. Documentos legais, como contratos e petições, podem ser gerados automaticamente com base em modelos pré-estabelecidos, eliminando a necessidade de redigir documentos do zero. Isso não apenas economiza tempo, mas também reduz erros e inconsistências.

A IA também pode ser aplicada na análise de riscos e tomada de decisões legais. Por meio de algoritmos avançados, os sistemas de IA podem avaliar dados e evidências para prever resultados de casos, identificar possíveis falhas e fornecer recomendações estratégicas aos advogados. Essa capacidade de análise preditiva permite que os profissionais do direito tomem decisões informadas e reduzam os riscos envolvidos em suas atividades.

No entanto, é importante ressaltar que a IA no meio jurídico não substitui a expertise e o julgamento humano. Os sistemas de IA são ferramentas poderosas que auxiliam os profissionais do direito em suas tarefas, mas a interpretação e a aplicação da lei ainda dependem do conhecimento e da experiência dos advogados e juízes.

A questão da ética também é relevante no uso da IA no meio jurídico. É fundamental garantir a transparência e a imparcialidade dos algoritmos utilizados, evitando viéses injustos e assegurando que as decisões tomadas sejam justas e equitativas.

Em suma, a inteligência artificial está transformando o meio jurídico, proporcionando maior eficiência, precisão e acessibilidade à justiça. Embora a IA não substitua o papel dos profissionais do direito, ela complementa suas habilidades, permitindo que se concentrem em tarefas mais complexas e estratégicas. Com o avanço contínuo da tecnologia, espera-se que a IA desempenhe um papel cada vez mais significativo no campo jurídico, impulsionando inovações e melhorias em todo o sistema de justiça.

* Este texto foi escrito pela IA.

Audiências virtuais nasceram em 96 em Campinas e se tornaram realidade em todo o Brasil

Audiências virtuais nasceram em 96 em Campinas e se tornaram realidade em todo o Brasil

Em um ano, na pandemia, foram 101,8 mil audiências virtuais.

 Quando o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em março de 2020, publicou a Resolução 313, que uniformizou “o funcionamento dos serviços judiciários, com o objetivo de prevenir o contágio pelo novo Coronavírus – Covid 19, e garantir o acesso à justiça nesse período emergencial” e a Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo publicou o Comunicado CG 284 com “as orientações para a realização de audiências virtuais”, que poderiam ser feitas por meio de videoconferência, pairava no ar a dúvida da eficácia do novo sistema.

Por essa razão – e, não sem motivação, já que foi o precursor da iniciativa em agosto de 1996 – o desembargador Edison Aparecido Brandão, à época, alertou para a variedade de meios para a realização de teleaudiências e clamou pela necessidade de protocolos. “Esses protocolos devem ser assim praeter legem, compostos de atos, no máximo, nacionais, emitidos preferencialmente pelo Conselho Nacional de Justiça, e locais, pelos Tribunais de Justiça, de maneira clara, garantindo apenas questões processuais, jamais se imiscuindo em questões técnicas de TI (Tecnologia da Informação), onde o magistrado será sempre um mero assistente.”

Seu clamor foi ouvido. Os atos – regulamentados em novembro do mesmo ano pela Resolução CNJ 354 – atingiram as audiências, as sessões por videoconferência e telepresenciais e os atos processuais por meio eletrônico nas unidades jurisdicionais de 1ª e 2ª instâncias da Justiça dos Estados, Federal, Trabalhista, Militar, Eleitoral e nos Tribunais Superiores, à exceção do Supremo Tribunal Federal e, desde então, até os dias atuais, milhares de audiências virtuais são realizadas em todo o Brasil.

A extração de dados estatísticos de audiências presenciais ou virtuais no Tribunal de Justiça de São Paulo ainda enfrenta dificuldades, por falta de campos tabelados no sistema SAJ (Sistema de Automação da Justiça). Os dados mais recentes apontam que, de janeiro a junho de 2023, foram realizadas 369.486 audiências (presenciais + virtuais). Nesse mesmo período, aconteceram outras 486.935 reuniões virtuais, via teams (audiências, reuniões administrativas, cursos etc).

Hoje, o TJSP tem 335 estações passivas de oitiva em funcionamento para que a parte que reside em comarca diversa do Juízo de tramitação do processo possa ser ouvida de uma sala no fórum do local de sua residência, de forma virtual pelo juiz do processo, que fisicamente se encontra em outra localidade. Vale destacar que, nessa modalidade, de janeiro a maio deste ano, foram agendadas 8.122 audiências. Atualmente, o TJSP tem em andamento 31.408 processos com a tarja “Juízo 100% Digital”, ações nas quais as partes fazem a opção de que todos os atos processuais sejam virtuais, inclusive as audiências.

Pioneirismo – Em 27 de agosto de 1996 o então juiz da 1ª Vara Criminal de Campinas, Edison Aparecido Brandão, realizou o primeiro interrogatório a distância do Brasil (cumprimento de carta precatória) com o apoio da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). À época, o magistrado anteviu que a informática facilitaria o trabalho da Justiça: “De qualquer lugar do planeta, um juiz ouvirá o preso, sem que haja o deslocamento de nenhum deles.” Naquele ano, o juiz Brandão usou ferramentas de ponta, que hoje são precárias em razão da acelerada evolução tecnológica. “Usamos um modem de 2400 bauds e um telefone viva-voz em paralelo”, diz ele, objetos que, nos dias atuais, sequer são reconhecidos pela Geração Z (nascidos entre 1997 e 2010) e pela Geração Alfa (nascidos a partir de 2010).

O pioneirismo se confrontou com a enorme resistência de alguns e isso impediu que, durante muitos anos, a nova técnica fosse discutida e aprimorada. “O país, à mercê de uma resistência reacionária, perdeu mais de uma década e meia no estudo profundo desses atos, do ponto de vista processual, penal e civil”, dizia o magistrado em 2020, considerando que, naquele mesmo ano “havia juízes chineses usando óculos de realidade virtual, em redes padrão 5G, que permitiam que a sala de audiência fosse vista tridimensionalmente”.

Hoje, quase três décadas depois daquele ato solitário na cidade de Campinas, o desejo do então jovem juiz de Direito de auxiliar a sociedade campineira, paulista e nacional, tornou-se realidade impulsionado pelos perigos de contágio advindos da Covid-19. Nos dias de hoje, os impedimentos conhecidos, nos anos 1990, como ‘síndrome de Maria Bethânia’ (‘olhos nos olhos’), bravamente alardeados pelos que exigiam a presença física próxima do réu e do magistrado, caíram em desuso.

Redução de despesa, agilização de serviços e ajuda na conservação ambiental são requisitos sempre bem-vindos aos trâmites processuais. A audiência virtual se tornou realidade em todo o país, economizando recursos públicos com o transporte de presos, tempo e recurso das partes e os processos ganharam mais efetividade.

E tudo começou em 1996…

Comunicação Social TJSP – RS (texto) / LF (arte)

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