A Lei 14.831, de 27 de março de 2024, estabeleceu o Certificado Empresa Promotora da Saúde Mental, de âmbito nacional, a ser concedido pelo governo federal às empresas que atenderem a determinados critérios de promoção da saúde mental e do bem-estar de seus trabalhadores.
Dentre as boas práticas a serem adotadas pelas empresas, de acordo com a nova lei, em resumo, estão as seguintes: implementação de programas de promoção da saúde mental no ambiente de trabalho; oferta de acesso a recursos de apoio psicológico e psiquiátrico para seus trabalhadores; combate à discriminação e ao assédio em todas as suas formas; promoção de ambiente de trabalho seguro e saudável; incentivo ao equilíbrio entre a vida pessoal e a profissional; incentivo à prática de atividades físicas e de lazer; divulgação regular das ações e das políticas relacionadas à promoção da saúde mental e do bem-estar de seus trabalhadores nos meios de comunicação utilizados pela empresa.
A lei acima mencionada também destaca a importância de ações empresariais voltadas especificamente à promoção da conscientização direcionada à saúde mental das trabalhadoras [1].
Ainda de acordo com a nova lei, a concessão do Certificado Empresa Promotora da Saúde Mental será realizada por uma comissão certificadora, a ser nomeada pelo governo federal, nos termos de regulamento que também ainda será editado, com a atribuição de aferir a conformidade das boas práticas desenvolvidas.
Um dos autores do presente texto, Pedro Milioni escreveu no artigo intitulado “A Simbiose entre os valores ESG e o Direito do Trabalho”, que o “acrônimo ESG, propõe, em resumo, o alinhamento justo e equilibrado entre empresa/lucro, e a responsabilidade com o meio ambiente, sociedade e todos os stakeholders impactados direta ou indiretamente pela atividade empresarial, através de uma governança corporativa honesta, íntegra e comprometida com esses fundamentos” [2].
Vale dizer, “além da geração de riqueza para os acionistas — que é justíssimo num ambiente capitalista sadio —, as empresas também passaram a ter que assumir compromissos com o planeta e as pessoas, não apenas por vontade própria, mas também por uma “imposição” do Estado, da sociedade, de organismos internacionais, consumidores, trabalhadores etc. Enfim, de todos os interessados. É a denominada teoria dos Stakeholders (interessados)” [3].
Assim, alinhada aos melhores valores ESG, a nova lei vem em bom momento, pois a partir de uma série de condutas espontâneas que poderão ser adotadas pelas empresas que desejarem o Certificado Empresa Promotora da Saúde Mental, propõe, e não impõe, que o empresariado adira ao movimento salutar de promoção da saúde mental e do bem-estar dos trabalhadores (e trabalhadoras), e preste contas de suas ações.
Com isso, a lei transita ordenadamente pelas três letrinhas do ESG:
- E – propõe melhorias no meio ambiente de trabalho;
- S – aponta boas práticas em termos de saúde e bem-estar dos trabalhadores, inclusive as mulheres;
- G – impõe que os interessados na certificação atuem com transparência e prestem contas de suas ações.
Por que as empresas devem buscar essa certificação?
O empresário é um agente transformador que, além da riqueza que merece conquistar, pois arrisca sua pele, literalmente, num ambiente hostil e competitivo, tem a capacidade de implementar mudanças que podem impactar positivamente o mundo em que vivemos. E isso não é utopia, é realidade, pois as “empresas exercem o papel primordial de geração de riquezas e contribuem com a redução da pobreza em um país. Elas têm uma relevante função social e auxiliam no desenvolvimento econômico, além de aumentar oportunidades de empregos e constituírem fontes de receitas para o Estado”. [4]
Ademais, ainda que a lei não seja impositiva, sabemos que a inovação empresarial tem como missão dar respostas às necessidades sociais de diferentes formas, sendo, portanto, uma consequência do empreendedorismo quando bem-sucedido.
Portanto, além desse papel de enorme grandeza do empresariado, é bastante claro que uma empresa que promove a saúde mental e o bem-estar de seus trabalhadores só tem a ganhar.
Dois exemplos ilustrarão o que ora se afirma:
- Melhoria da reputação empresarial – uma empresa verdadeiramente comprometida com seus trabalhadores goza de credibilidade no mercado, o que atrai investimentos, oportunidades de negócios, retém bons talentos e, isso tudo somado, gera dinheiro.
- Ambiente de trabalho estável e sadio – problemas mentais ocasionados pelo trabalho geram custos, afastamentos, improdutividade, falta de comprometimento, pedidos de demissão, e outras questões que afetam diretamente no desempenho das empresas. Logo, zelar pela saúde dos empregados e manter um ambiente de trabalho adequado é medida que, ao final, também gera riqueza para o negócio.
Outros exemplos poderiam ser dados, mas os acima expostos já explicam a importância da adesão à certificação.
As empresas interessadas em obter a certificação devem desenvolver ações e políticas fundamentadas em diretrizes, exemplificativas, que constam na nova lei, dentre elas destacam-se as seguintes:
- Oferta de acesso a recursos de apoio psicológico e psiquiátrico para seus trabalhadores: Segundo o Sebrae [5], “53% dos brasileiros relataram alguma deterioração na saúde mental em 2020. Foi a quinta maior alta entre os 30 países pesquisados”. Problemas mentais ocasionados ou não pelo trabalho geram reflexos no ambiente de trabalho. Logo, zelar pela saúde dos trabalhadores é um jogo de ganha-ganha.
- Combate à discriminação e ao assédio em todas as suas formas: As empresas devem elaborar protocolos e regulamentos internos, claros e capazes de estabelecer diretrizes, princípios e responsabilidades, para combater o adoecimento dos trabalhadores expostos às questões de opressão e de violência, além da realização de treinamentos e palestras sobre diversidade, inclusão, desigualdade de gênero, com a finalidade de conscientização coletiva e abrangente, em todos os níveis da organização.
- Promoção de ambiente trabalho seguro e saudável: investimentos em ergonomia, treinamentos, realização de avaliações regulares e atualização de políticas internas de segurança, de acolhimento e combate a estigmas relacionados à saúde mental devem estar presentes em todas as empresas.
- Incentivo ao equilíbrio entre a vida pessoal e a profissional; incentivo à prática de atividades físicas e de lazer: a criação ou aprimoramento de benefícios que apoiem os trabalhadores em suas necessidades familiares, flexibilidade de jornada de trabalho, políticas internas sobre licenças parentais e comunicação aberta entre gestores e subordinados, com uma escuta ativa e um olhar atento e relacionado às questões atinentes a paridade de gênero são questões que estão na ordem do dia, e só beneficiam a construção de um saudável ambiente de trabalho.
- Divulgação regular das ações e das políticas relacionadas à promoção da saúde mental e do bem-estar de seus trabalhadores nos meios de comunicação utilizados pela empresa: A transparência e a prestação de contas são diretrizes básicas da boa governança corporativa. Assim, o alinhamento do marketing aos valores empresariais, através do incremento ou criação de canais eficazes e próprios, sendo que a lei, neste sentido, é expressa ao permitir que as empresas usem o certificado em sua comunicação e em materiais promocionais, a fim de destacar seu compromisso com a saúde mental e com o bem-estar de seus trabalhadores. Ótima medida. Todavia deve-se evitar a prática do woke-washing.
Novas abordagens, transparência, inovação, empoderamento, inclusão, sustentabilidade, bem-estar social e mental são algumas das palavras do momento e todas fazem parte de uma cultura coorporativa forte e alinhada aos princípios ESG.
Governos e comunidades em geral estão cada vez mais atentos às questões relacionadas à saúde mental no local de trabalho. A título de exemplo, tanto a Organização Mundial da Saúde (OMS) quanto a Organização Internacional do Trabalho (OIT) alertam para novas medidas de enfrentamento das questões de saúde mental no trabalho.
Empresas que demonstram compromisso com o bem-estar de seus trabalhadores tendem a obter reconhecimento e manter boas relações com os stakeholders internos e externos, e dentre estes, o apoio governamental, além de evitar possíveis sanções relacionadas às questões de saúde e segurança no trabalho, ainda poderá auxiliar na criação ou expansão de uma visibilidade empresarial positiva.
Outrossim, priorizar a saúde mental dos trabalhadores, além de ser primordialmente uma questão de direitos humanos e de responsabilidade social, é também uma estratégia importante para o sucesso duradouro e sustentável dos negócios.
Empresas que se adequem ou mesmo se antecipem na criação de estratégias e protocolos vinculados à saúde mental de seus trabalhadores certamente sairão em vantagem em um mundo cada vez mais inclusivo, todavia não menos competitivo.
Por: Pedro Milioni e Fernanda de Carvalho Serra
Fonte: https://www.conjur.com.br/2024-mai-31/a-nova-lei-da-empresa-promotora-da-saude-mental-e-do-bem-estar-dos-trabalhadores/?utm_term=Autofeed&utm_medium=Social&utm_source=LinkedIn#Echobox=1717263051
[1] Segundo dados da McKinsey and Co. no seu último relatório sobre saúde das mulheres, de janeiro de 2024 [1], estamos em um momento crucial para aumentar a conscientização sobre as manifestações de doenças específicas de cada sexo e sem dúvidas, dentre elas, as doenças mentais.
[2] A SIMBIOSE ENTRE OS VALORES ESG E O DIREITO DO TRABALHO: NOÇÕES INTRODUTÓRIAS, Revista Fórum Justiça do Trabalho, ano 41 – n. 483 – março de 2024 Belo Horizonte – p. 13.
[3] Idem, p. 11.
[4] Lourenço, Luana. O poder transformador das empresas dirigidas por valores, disponível em https://www.governancanorio.com.br/poder-transformador-das-empresas-dirigidas-por-valores/ acessado em 23.01.2024.
[5] Disponível em https://sebrae.com.br/sites/PortalSebrae/artigos/saude-mental-no-brasil-e-o-impacto-para-as-empresas,40d1419305b15810VgnVCM100000d701210aRCRD acessado em 16 de maio de 2024.