Anuário da Justiça – Direito Empresarial: Com novas áreas de atuação, 4 em cada 10 bancas ampliam quadro de sócios

Anuário da Justiça – Direito Empresarial: Com novas áreas de atuação, 4 em cada 10 bancas ampliam quadro de sócios

Quase 40% dos escritórios que atuam com Direito Empresarial no Brasil passaram a lidar com novas especialidades entre 2021 e 2022. Para dar conta do crescimento do escopo de atuação, quatro em cada dez dessas bancas ampliaram o quadro de sócios, de acordo com dados do Análise Advocacia 2022, publicação que ouviu 1.038 líderes de departamentos jurídicos de empresas e 768 representantes de escritórios de advocacia.

A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), em vigor desde 2021, tem sido a principal responsável pelas novas demandas das empresas aos profissionais de Direito. 49% dos diretores jurídicos entrevistados pelo Análise Advocacia mencionaram o Direito Digital entre as preocupações para o ano de 2023. Já a proteção e privacidade de dados foi citada por 26% dos executivos.

A governança corporativa e a atuação do setor de compliance na garantia de boas práticas no âmbito interno das empresas também tem ganhado relevância: o tema foi citado por 20% dos diretores jurídicos. O ranking de áreas com maior demanda em 2023 citadas pelos entrevistados segue com o Direito Ambiental (15%); o Direito Regulatório e o Direito Tributário (13% cada); Direito do Trabalho (10%); Direito Societário (9%); e ESG – Governança Ambiental, Social e Corporativa, com 8% das menções.

 

Entre os escritórios pesquisados, 47% têm atuação especializada em uma área do Direito Empresarial. Já um percentual de 42% se declarou abrangente, com uma área prioritária ao mesmo tempo em que não deixa de atender a outros ramos demandados. Uma proporção de 11% declarou-se full service com atendimento em diferentes áreas.

As bancas especializadas têm 19 advogados em média e são responsáveis por um volume médio de 2.399 processos ao ano. Já os escritórios abrangentes possuem uma média de 44 advogados e 10.116 processos. As bancas full service contam com uma média de 188 advogados e de 47.158 processos.

Segundo João Póvoa, presidente da Aliança de Advocacia Empresarial (Alae), que reúne escritórios de advocacia no Brasil e na Argentina, o fato de as bancas empresariais lidarem com cada vez mais assuntos tem feito com que as empresas consigam concentrar as suas demandas em um menor número de escritórios terceirizados. “Isso permite que os jurídicos internos tenham interlocução com um menor número de profissionais, permitindo que os escritórios conheçam mais profundamente as necessidades de cada cliente e possam buscar soluções mais próximas da realidade de cada negócio”, afirma.

Já Marcus Vinicius Furtado Coêlho, advogado e presidente da Comissão Nacional de Estudos Constitucionais da OAB, lembra que a atuação da advocacia empresarial não se limita a grandes companhias. “Empresas de menor porte também podem se beneficiar dos serviços de consultoria e representação jurídica. Muitos escritórios oferecem serviços de assessoria jurídica para startups e pequenos empreendedores, ajudando a proteger a propriedade intelectual e a garantir a conformidade com as leis e regulamentações”, ressalta.

Além da especialização, outro desafio enfrentado pelas bancas é lidar com a tecnologia. “A inteligência artificial poderá automatizar tarefas rotineiras, mas também criará novas questões legais em torno da responsabilidade e ética na utilização da tecnologia. Surge a necessidade de compreender como essas tecnologias afetam o ambiente empresarial e as leis que o regem. Isso implica em um desafio constante de atualização e aprimoramento por parte dos advogados empresariais”, prevê.

A proteção dos dados pessoais dos clientes das empresas, com a implantação do Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados na União Europeia e leis similares em outros países, é também uma questão a ser enfrentada.

 

Apesar dos desafios, os escritórios brasileiros são reconhecidos e respeitados internacionalmente, como afirma Carlos José Santos da Silva, sócio do escritório Machado Meyer e ex-presidente do Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (Cesa).

“Os escritórios nacionais alcançaram excelência e sofisticação na prestação de serviços das mais complexas operações e estão em constante evolução. Nas conferências da IBA (International Bar Association) e UIA (Union Internationale des Avocats), a nossa presença é uma realidade. Estamos aparelhados para prestar assessoria jurídica a grandes conglomerados nacionais e internacionais nas mais variadas operações”, garante.

O diretor da Associação Brasileira de Advogados Corporativos (Abrac), Alvaro Van Der Ley Lima Neto, concorda, mas diz ser preciso ir além. “O mercado brasileiro vem amadurecendo ao longo das últimas décadas, mesmo que ainda de forma embrionária em comparação a mercados maduros, como o dos Estados Unidos, onde existem diversos escritórios de advocacia com faturamento na casa de bilhões de dólares. Segundo [o ranking da editora Law.com] AmLaw 100, o escritório Kirkland faturou mais de seis bilhões de dólares no último exercício”, exemplifica.

De acordo com o Análise Advocacia, 41% das bancas têm faturamento anual de até R$ 18 milhões. A faixa entre R$ 19 milhões e R$ 51 milhões abarca 11% dos escritórios; entre R$ 52 milhões e R$ 86 milhões, 2%; entre R$ 87 milhões e R$ 257 milhões, 2%; a faixa acima de R$ 258 milhões inclui apeAnunciaram nesta edição

ANUÁRIO DA JUSTIÇA DIREITO EMPRESARIAL 2023
1ª edição
Número de Páginas: 156
Editora: Consultor Jurídico
Versão digital: É gratuita, acesse pelo site https://anuario.conjur.com.br ou pelo app Anuário da Justiça

Fonte: https://www.conjur.com.br/2023-out-09/novas-areas-cada-10-bancas-ampliam-quadro-socios

Por: Por Arthur Gandini

TRT-2: Juiz do Trabalho condena Uber a pagar R$ 1 bi por dano moral coletivo

TRT-2: Juiz do Trabalho condena Uber a pagar R$ 1 bi por dano moral coletivo

As relações de emprego — mesmo em seu âmbito coletivo — não podem ultrapassar o limite do razoável, já que a dignidade da pessoa humana e o valor social do trabalho são bens de primeira grandeza de qualquer sistema jurídico democrático. E a liberdade de empreender e buscar lucros encontra limites no artigo 170, III, da Constituição Federal, que estabelece a função social da empresa.

Esse foi o entendimento do juiz Maurício Pereira Simões, da 4ª Vara do Trabalho de São Paulo, para condenar a Uber a pagar indenização de R$ 1 bilhão por danos morais coletivos e registrar os motoristas que atuam por meio da plataforma.

A decisão foi provocada por ação civil pública do Ministério Público do Trabalho que pediu o reconhecimento do vínculo de emprego entre a Uber e os motoristas, alegando que a empresa provocou dano moral coletivo. O MPT também solicitou que a decisão tenha alcance nacional e que a Uber se abstenha de contratar motoristas a partir de relações contratuais diversas do emprego.

Em sua defesa, a empresa alegou que as provas produzidas pelo MPT são imprestáveis, negou a existência de vínculo de emprego e sustentou que os pedidos formulados na ação violam a livre concorrência, além de contestar a existência de dano moral coletivo.

“Condeno a Ré à obrigação de fazer, qual seja, observar a legislação aplicável aos contratos firmados com seus motoristas, devendo efetivar os registros em CTPS digital na condição de empregados, de todos os motoristas ativos, bem como daqueles que vierem a ser contratados a partir da decisão, sob pena de multa diária de R$ 10.000,00 para cada motorista não registrado.”

Assim, para cumprir a decisão, a empresa terá de registrar centenas de milhares de motoristas que atuam na plataforma. O magistrado também deu razão ao MPT em relação à existência de dano moral coletivo decorrentes do modelo de negócio e da atuação da empresa.

“Evidenciou-se a ocorrência das ofensas perpetradas pela Ré contra toda a sociedade civil, no âmbito das relações de trabalho, mas também com claros reflexos na condição concorrencial, de segurança pública, segurança no trânsito, da assistência social. Como é cediço, as condutas abusivas suso mencionadas caracterizam o dano moral coletivo, que atenta contra a dignidade psíquica da população, de forma repetitiva e prolongada, e que expõe a classe trabalhadora a situações humilhantes e constrangedoras, capazes de causar ofensa à personalidade, à dignidade ou à integridade psíquica, e que tenha por efeito excluir a posição da parte trabalhadora no emprego ou deteriorar o ambiente de trabalho durante a jornada de trabalho e no exercício de suas funções”, registrou ele ao estipular a multa de R$ 1 bilhão contra a empresa.

De acordo com a decisão, o valor da multa será destinado ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (90%) e às associações de motoristas (10%) que tenham registro em cartório.

Outro lado
Por meio de nota, a Uber do Brasil se manifestou sobre a decisão. A empresa afirmou que vai recorrer e que não vai adotar nenhuma das medidas elencadas pelo juiz da 4ª Vara do Trabalho de São Paulo.

Leia a nota na íntegra:

“A Uber esclarece que vai recorrer da decisão proferida pela 4ª Vara do Trabalho de São Paulo e não vai adotar nenhuma das medidas elencadas na sentença antes que todos os recursos cabíveis sejam esgotados.

Há evidente insegurança jurídica, visto que apenas no caso envolvendo a Uber, a decisão tenha sido oposta ao que ocorreu em todos os julgamentos proferidos nas ações de mesmo teor propostas pelo Ministério Público do Trabalho contra plataformas, como nos casos envolvendo Ifood, 99, Loggi e Lalamove, por exemplo.

A decisão representa um entendimento isolado e contrário à jurisprudência que vem sendo estabelecida pela segunda instância do próprio Tribunal Regional de São Paulo em julgamentos realizados desde 2017, além de outros Tribunais Regionais e o Tribunal Superior do Trabalho.

A Uber tem convicção de que a sentença não considerou adequadamente o robusto conjunto de provas produzido no processo e tenha se baseado, especialmente, em posições doutrinárias já superadas, inclusive pelo Supremo Tribunal Federal.

Na sentença, o próprio magistrado menciona não haver atualmente legislação no país regulamentando o novo modelo de trabalho intermediado por plataformas. É justamente para tratar dessa lacuna legislativa que o governo federal editou o Decreto Nº 11.513, instituindo um Grupo de Trabalho ‘com a finalidade de elaborar proposta de regulamentação das atividades executadas por intermédio de plataformas tecnológicas’, incluindo definições sobre a natureza jurídica da atividade e critérios mínimos de ganhos financeiros”.

Clique aqui para ler a decisão
Processo1001379-33.2021.5.02.0004

Por Por Rafa Santos
Fonte: https://www.conjur.com.br/2023-set-14/juiz-condena-uber-pagar-bi-dano-moral-coletivo

STJ: Tribunal concede liminares para permitir cultivo de Cannabis com fim medicinal sem risco de repressão

STJ: Tribunal concede liminares para permitir cultivo de Cannabis com fim medicinal sem risco de repressão

O vice-presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Og Fernandes, no exercício da presidência, deferiu liminares para assegurar que três pessoas com comprovada necessidade terapêutica possam cultivar plantas de Cannabis sativa sem o risco de qualquer medida repressiva por parte das autoridades.

Nos três recursos em habeas corpus submetidos à presidência do tribunal (um deles em segredo de Justiça), os interessados relataram que possuem problemas de saúde passíveis de tratamento com substâncias extraídas da Cannabis, como dor crônica, quadro de transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH), transtorno depressivo recorrente, fobia social e ansiedade generalizada.

Além de juntar aos processos laudos médicos que comprovam as condições relatadas, eles apresentaram autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para a importação excepcional de produtos medicinais derivados da Cannabis.

Custo da importação inviabiliza o tratamento

Apesar dessa autorização, os recorrentes disseram que a importação dos produtos é cara, razão pela qual entraram na Justiça para obter o habeas corpus preventivo (salvo-conduto) e poder cultivar a planta sem o risco de problemas com a polícia.

Inicialmente, todos os pedidos foram rejeitados nos tribunais estaduais. Em um deles, o recorrente afirmou que teria um gasto mensal de cerca de R$ 2 mil com a importação do medicamento.

O Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR), que julgou um dos casos, afirmou que a autorização pretendida dependeria de análise técnica que não cabe ao juízo criminal, sendo da Anvisa a atribuição de avaliar a situação do paciente e permitir, ou não, o cultivo da planta para extração das substâncias medicinais.

Documentos comprovaram necessidade dos recorrentes

De acordo com o ministro Og Fernandes, os pedidos foram satisfatoriamente justificados com a apresentação de documentos que atestam as necessidades dos requerentes, como receitas médicas e pareceres farmacêuticos, autorizações para importação e comprovantes de que outros tratamentos não tiveram o mesmo sucesso.

Em dois dos pedidos, os recorrentes também juntaram certificados de curso sobre plantio da Cannabis sativa e extração de substâncias medicinais.

Precedentes admitem cultivo para fins terapêuticos

O vice-presidente do STJ lembrou que os precedentes da corte consideram não ser crime a conduta de cultivar a planta para fins medicinais, diante da falta de regulamentação prevista no artigo 2º, parágrafo único, da Lei 11.343/2006 (Lei de Drogas). Com esse entendimento, vários acórdãos concederam salvo-conduto para que pessoas com certos problemas de saúde pudessem cultivar e manipular a Cannabis.

Apoiado nessa jurisprudência, o ministro reconheceu a plausibilidade jurídica dos pedidos e considerou que o mais prudente é “resguardar o direito à saúde” dos interessados até o julgamento final dos recursos pelas turmas competentes. Os relatores serão os ministros Ribeiro Dantas e Antonio Saldanha Palheiro e o desembargador convocado João Batista Moreira.

As liminares permitem o cultivo das plantas na quantidade necessária, apenas para tratamento próprio e nos termos das receitas médicas, ficando os órgãos policiais e o Ministério Público impedidos de tomar medidas que embaracem a atividade.

Fonte: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/2023/14072023-Tribunal-concede-liminares-para-permitir-cultivo-de-Cannabis-com-fim-medicinal-sem-risco-de-repressao.aspx

Garantias do Consumidor: Os casos Hurb e 123 Milhas – a necessidade de se manter os pés no chão

Garantias do Consumidor: Os casos Hurb e 123 Milhas – a necessidade de se manter os pés no chão

Por Maria Luiza Baillo Targa

A disponibilização de produtos e serviços no mercado de consumo deve ser minuciosamente precedida de pesquisas e estudos que analisem a viabilidade do negócio e os riscos que lhe são inerentes. Antes de realizar ofertas, que muitas vezes são planejadas apenas mirando o presente, é importante que as práticas sejam pensadas para o futuro, especialmente nos casos em que a prestação do serviço ou entrega do produto será realizada em momento muito posterior à data de sua aquisição pelo consumidor. Por essa razão, estratégias de marketing e ofertas promocionais devem refletir situações factíveis, que serão efetivamente cumpridas em momento posterior, sob pena de o risco a ser assumido ser muito grande — e o prejuízo ainda maior. Os casos envolvendo as agências de turismo Hurb (antigo Hotel Urbano) e 123 Milhas ilustram situações de ofertas realizadas sem a necessária análise e reflexão, que causam prejuízos tanto para si quanto para os seus consumidores.

A pandemia da Covid-19 afetou sobremaneira o setor do turismo. Em meio à significativa redução da demanda por viagens domésticas e internacionais, a Hurb optou por utilizar modelo de negócios consubstanciado na oferta de pacotes promocionais com datas flexíveis, possibilitando aos consumidores que adquirissem passagens aéreas e hospedagens sem a necessidade de definir a data da viagem no momento da compra, e sim em momento futuro, desde que encontrados, quando do agendamento, voos e hotéis com tarifas promocionais. Em outros termos, o bilhete aéreo e a reserva da hospedagem adquiridos eram emitidos em data posterior à aquisição. A medida atraiu diversos viajantes e lhe permitiu atingir um volume bruto de mercadorias (GMV) de R$ 1,8 bilhões em 2020 e de R$ 1,9 bilhões em 2021 [1].

A partir da gradativa redução das restrições de viagens e dos riscos de transmissão da Covid-19, os consumidores passaram a agendar seus pacotes. Todavia, o cenário pós-pandemia se mostrou muito diferente daquele em que as vendas foram feitas. Em 2022, o preço médio das passagens aéreas registrou o maior valor na série histórica da Agência Nacional da Aviação Civil (Anac), chegando à quantia de R$ 645, o que corresponde a R$ 126 a mais do que o preço médio de 2019 (R$ 519) [2]. Também os preços das diárias de hotéis sofreram aumento significativo [3]. Ante a discrepância entre os valores recebidos de seus clientes e os preços de voos e hospedagem, a Hurb passou a enfrentar dificuldades no cumprimento das ofertas.

Como consequência, o número de reclamações dos consumidores postulando o cancelamento do contrato e reembolso dos valores, ou o simples cumprimento das ofertas, disparou. Após os requerimentos na plataforma consumidor.gov.br chegarem a 7.000 no primeiro trimestre de 2023, volume ainda maior que todo o ano de 2022 (12 mil) — que já era expressivo —, a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), vinculada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, determinou a abertura de processo administrativo sancionador contra a agência [4]. E, em maio, por entender que a modalidade de oferta não dá garantias suficientes aos consumidores, determinou a suspensão temporária da venda de novos pacotes com data flexíveis [5] da Hurb [6].

Assim como a mencionada agência de turismo, a 123 Milhas também passou a ofertar passagens e pacotes promocionais com datas flexíveis em meio à crise vivenciada pelo setor do turismo. O viajante, embora tenha de escolher a data da viagem no momento da aquisição do serviço, necessita estar disponível 24h antes e 24h depois da data escolhida, pois a marcação do voo e da hospedagem é realizada pela própria empresa dentro do período de disponibilidade indicado (destas 72h). Ou seja, não há emissão de bilhete de passagem ou reserva de hospedagem na data da compra.

Durante a pandemia, a empresa investiu fortemente no marketing visando divulgar de maneira ampla as suas ofertas, em especial seus pacotes promocionais com datas flexíveis. Foi a maior anunciante do país em 2021, com aporte de R$ 2,37 bilhões na compra de espaço publicitário, e o segundo maior anunciante do país em 2022, com aporte de R$ 1,28 bilhão [7]. E, tal qual a Hurb, a estratégia atraiu muitos consumidores.

Em virtude da dificuldade de cumprir as ofertas dos pacotes com datas flexíveis pelas mesmas razões da Hurb [8], a 123 Milhas, no dia 18 de agosto, comunicou a suspensão da emissão de passagens e pacotes da categoria Promo agendados para os meses de setembro a dezembro de 2023 [9]. Para além da decisão unilateral, que por si só frustra as legítimas expectativas dos consumidores, a empresa somente se comprometeu a oferecer vouchers acrescidos de correção monetária de 150% do CDI, para compra de quaisquer passagens, hotéis e pacotes na própria agência. Ou seja, não possibilita o cancelamento do contrato com a restituição integral dos valores pagos.

Da mesma forma que ocorreu com a Hurb, como era de se esperar, o número de reclamações de consumidores disparou. No site Reclame Aqui, nos últimos seis meses, já foram realizadas 20.133 reclamações contra a empresa [10]. Por seu turno, na plataforma consumidor.gov.br, foram registradas 7.410 reclamações no ano de 2023, sendo que o índice de solução é de apenas 67,3%, justificando que a nota de satisfação com o atendimento seja hoje correspondente a 2,6 de 5 [11].

Os números se justificam — e provavelmente irão aumentar — porque a alteração unilateral do contrato, subtraindo do consumidor a opção de restituição quantia paga e colocando-o em desvantagem exagerada, além de configurar uma cláusula abusiva (artigo 51, II, e IV, do CDC), viola o disposto no artigo 35 do Código de Defesa do Consumidor, o qual refere que, em caso de recusa de oferta, cabe ao consumidor, alternativamente e à sua livre escolha, (1) exigir o cumprimento forçado da obrigação, nos termos da oferta; (2) aceitar a prestação de serviço equivalente (o voucher); ou (3) rescindir o contrato, com direito à restituição de valores, monetariamente atualizados, além de perdas e danos [12]. No mais, em se tratando de passagem aérea, à luz do disposto no artigo 31, caput, da Resolução 400/2016 da Anac [13], o reembolso somente pode ser convertido em crédito para aquisição de nova passagem se o passageiro concordar com tal providência.

Diante da grande repercussão da questão, a Senacon já encaminhou um pedido de esclarecimentos e cogita, tal qual o fez com a Hurb, instaurar processo administrativo em face da 123 Milhas para o fim de proibir a venda dos pacotes promocionais, além de arbitrar multa ou estabelecer outras penalidades [14].

No dia 29 de agosto, após o ajuizamento de pelo menos 16,4 mil processos judiciais por consumidores, cujos valores envolvidos ultrapassam os R$ 200 milhões [15], a 123 Milhas entrou com pedido de recuperação judicial sob o argumento de que enfrenta crise financeira e que a suspensão dos pacotes promocionais afetou a sua credibilidade perante o mercado, reduzindo drasticamente o volume de vendas. A medida afeta os interesses dos seus clientes ao dificultar a restituição de valores pagos e reparação de eventuais danos, o que denota, mais uma vez, importantes falhas em toda a sua estratégia de vendas.

Os casos da Hurb e da 123 Milhas mostram ser imprescindível que os fornecedores disponibilizem no mercado de consumo serviços viáveis, que possam de fato ser cumpridos, realizando preliminarmente estudos sérios e comprometidos que permitam concluir que o negócio é de fato praticável e não prejudica os direitos dos consumidores. Inclusive, porque a oferta, que engloba a publicidade e informação suficientemente precisas, bem como quaisquer declarações de vontade manifestadas por escrito, vinculam o fornecedor, que está obrigado a cumpri-las, sob pena inclusive de execução específica (CDC, artigos 30, 48 e 84).

Em relação às agências Hurb e 123 Milhas, mesmo que tenha ocorrido uma mudança no cenário pós-pandemia comparativamente ao período em que grande parte dos pacotes promocionais foram vendidos, isto não é capaz de afastar a sua responsabilidade por danos causados aos seus clientes porque não configura hipótese de caso fortuito ou força maior, já que era previsível o aumento dos preços de hospedagens e passagens em decorrência da queda brusca na demanda por viagens, mormente em meio a uma crise de incertezas nos setores do turismo e aéreo.

Acrescente-se que a responsabilidade dos fornecedores se funda no risco-proveito, o que significa que, em virtude do proveito econômico obtido a partir da disponibilização do serviço ou produto no mercado de consumo (bônus), arcam com os riscos inerentes ao seu negócio (ônus). Aos fornecedores é vedado, portanto, colocar no mercado de consumo serviços que sabem ou que deveriam saber que têm alta probabilidade de não serem cumpridos no momento oportuno, e daí exsurge o seu dever de analisar previamente os riscos intrínsecos da sua atividade.

Para as empresas que querem decolar as suas vendas, portanto, vale o alerta: em caso de quaisquer dúvidas na viabilidade de um serviço, é imprescindível manter-se os pés no chão.

Fonte: https://www.conjur.com.br/2023-set-13/garantias-consumo-hurb-123-milhas-necessidade-manter-pes-chao

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[1] HURB. Quem somos. Disponível em: https://www.hurb.com/br/about-us. Acesso em 26 ago. 2023.

[2] FARIAS, Victor; PINHONI, Marina. Preço médio de passagens aéreas bate recorde em 2022 e continua a subir em 2023. G1, São Paulo, 19 maio 2023. Disponível em: https://g1.globo.com/economia/noticia/2023/ 05/19/preco-medio-de-passagens-aereas-bate-recorde-em-2022-e-continua-a-subir-em-2023.ghtml. Acesso em 26 ago. 2023.

[3] Por exemplo, a rede hoteleira da Atlantica, a segunda maior do país, aumentou o valor das diárias em 2022, fechando o ano com faturamento de R$ 1,75 bilhão, 52% mais que no último ano pré-pandemia (SETTI, Rennan. Preços das diárias de hotéis vão subir mais em 2023, diz CEO da Atlantica. O Globo, São Paulo, 10 abr. 2023. Disponível em: https://oglobo.globo.com/blogs/capital/post/2023/04/precos-das-diarias-de-hoteis-vao-subir-mais-em-2023-diz-ceo-da-atlantica.ghtml. Acesso em 26 ago. 2023).

[4] MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E SEGURANÇA PÚBLICA. Senacon abre processo administrativo sancionador contra plataforma Hurb. Disponível em: https://www.gov.br/mj/pt-br/assuntos/noticias/ senacon-abre-processo-administrativo-sancionador-contra-plataforma-hurb. Acesso em 26 ago. 2023.

[5] Em que pese tal medida, a empresa disponibiliza hoje o “pacote de mês fixo”, no qual o viajante apenas escolhe o mês que quer viajar no momento da compra (Todas as informações estão disponíveis no link https://help.hurb.com/hc/pt-br/articles/18407382267411-Como-funciona-o-Pacote-M%C3%AAs-Fixo-). Provavelmente, a estratégia continuará a dar problemas, já que o consumidor permanece condicionado à disponibilidade de tarifas promocionais, o que dá margem a um possível não cumprimento da oferta. No site Reclame Aqui, a atual nota do Hurb é 3.3 de 10, e nos últimos seis meses, já foram realizadas 51.168 reclamações contra a empresa (https://www.reclameaqui.com.br/empresa/hotel-urbano/lista-reclamacoes/). Por seu turno, na plataforma consumidor.gov.br, foram registradas 6.364 reclamações durante todo o ano de 2023, e a nota de satisfação com o atendimento é 1,4 de 5. Além disso, o índice de solução é de apenas 43% (https://consumidor.gov.br/pages/empresa/20150105000046168/perfil). Para maiores informações, ver: PILAR, Ana Flávia. Hurb segue vendendo pacotes flexíveis, apesar da proibição da Senacon. O Globo, Rio de Janeiro, 21 ago. 2023. Disponível em: https://oglobo.globo.com/economia/defesa-do-consumidor/noticia/2023/08/21/hurb-segue-vendendo-pacotes-flexiveis-apesar-da-proibicao-da-senacon.ghtml. Acesso em 26 ago. 2023.

[6] MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E SEGURANÇA PÚBLICA. Senacon suspende vendas de pacotes de viagens flexíveis da Hurb em todo o Brasil. Disponível em: https://www.gov.br/mj/pt-br/assuntos/noticias/senacon-suspende-vendas-de-pacotes-de-viagens-flexiveis-da-hurb-em-todo-o-brasil. Acesso em 26 ago. 2023.

[7] MADUREIRA, Daniele. Venda de passagem sem data gerou crise da 123milhas, dizem especialistas. Folha, São Paulo, 22 ago. 2023. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2023/08/venda-de-passagem-sem-data-gerou-crise-da-123milhas-dizem-especialistas.shtml. Acesso em 27 ago. 2023.

[8] Maiores esclarecimentos estão disponíveis em: https://123milhas.com/imprensa/

[9] O comunicado está disponível no seguinte link: https://123milhas.com/promo123/

[10] RECLAME AQUI. 123milhas. Disponível em: https://www.reclameaqui.com.br/empresa/123-milhas/. Acesso em 27 ago. 2023.

[11] CONSUMIDOR.GOV.BR. 123 milhas. Disponível em: https://consumidor.gov.br/pages/empresa/20170608000585401/perfil. Acesso em 27 ago. 2023.

[12] Saliente-se que a decisão da 123 Milhas também pode violar o disposto no art. 12 da Resolução 400/2016 da Anac, o qual trata do prazo de antecedência mínima para a comunicação de alterações realizadas de forma programada, referindo que, se a informação ocorrer em menos de 72h de antecedência, devem ser oferecidas ao passageiro as alternativas de reacomodação e reembolso integral, cabendo a escolha ao passageiro.

[13] Embora estejam sujeitos a esta Resolução as transportadoras aéreas em si, em se tratando de alteração contratual programada de passagem aérea, possível sua aplicação por analogia.

[14] LOPES, Raquel. Senacon pode abrir processo administrativo contra a 123milhas. Folha, Brasília, 25 ago. 2023. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2023/08/senacon-pode-abrir-processo-administrativo-contra-a-123milhas.shtml. Acesso em 27 ago. 2023.

[15] TIENGO, Rodolfo. 123 Milhas: recuperação judicial pode impactar decisões favoráveis a clientes, diz advogado. G1, Ribeirão Preto, 01 set. 2023. Disponível em https://g1.globo.com/sp/ribeirao-preto-franca/noticia/2023/09/01/123-milhas-recuperacao-judicial-pode-impactar-decisoes-favoraveis-a-clientes-diz-advogado.ghtml. Acesso em 1º set. 2023.

TRT-2: Mulher não consegue provar gravidez e aborto espontâneo na demissão e não será indenizada

TRT-2: Mulher não consegue provar gravidez e aborto espontâneo na demissão e não será indenizada

Por falta de documentação oficial que comprovasse a gestação e o posterior aborto espontâneo, a 5ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT-2) negou recurso e manteve uma decisão que indeferiu o pedido de indenização do período de estabilidade para uma ex-empregada de um laboratório de Santos (SP) que foi dispensada supostamente durante a gravidez.

Ao ingressar com a ação, a mulher alegou que foi dispensada enquanto estava grávida. No entanto, ao realizar exame médico demissional, o resultado deu inconclusivo para a gestação. Três semanas depois, ela fez um novo exame, de forma particular, que confirmou a gravidez.

A empresa defendeu que não tinha conhecimento da gestação quando dispensou a ex-empregada. O laboratório questionou o fato dela não ter entrado em contato para avisar do resultado do segundo exame, preferindo entrar com a ação para ganhar indenização, sem pedir reintegração.

Segundo consta no processo, a empresa só tomou ciência da gravidez com a citação da ação. O laboratório entrou em contato com ex-empregada para reintegrá-la, o que foi recusado. Em audiência, a empresa ofereceu novamente a reintegração — o que, mais uma vez, foi recusado.

Na sequência, a ex-empregada informou ter sofrido um aborto espontâneo, mas não detalhou a data. Ela apresentou documentos médicos, mas que não detalhavam a data em que o aborto teria ocorrido.

Na ação, a mulher pedia indenização substitutiva relativa ao período gestacional, férias vencidas e proporcionais com respectivo terço, 13º salário, FGTS com acréscimo de 40%, intervalo intrajornada, diferença de aviso prévio, além de indenização por danos morais — entre outros pedidos.

A 4ª Vara do Trabalho de Santos considerou que a recusa da mulher de aceitar a reintegração e buscar apenas a indenização configurou abuso de direito e julgou o pedido improcedente. Os pedidos de intervalo intrajornada e danos morais também foram rejeitados.

Contra recurso da ex-empregada, o laboratório disse ser indevida a indenização, já que ela não cumpriu um requisito imprescindível para o deferimento do pedido: o atestado médico oficial informando a data em que teria ocorrido o aborto.

Relator do recurso, o desembargador Sidnei Alves Teixeira compreendeu que a apresentação do documento médico que atestasse o aborto espontâneo se tornou essencial para a ação. A falta dele comprometeu o pedido feito pela ex-empregada.

“Da análise do processado, infere-se que a demandante não juntou aos autos o atestado médico previsto no artigo 395, da CLT, demonstrando a ocorrência e a data do aborto, documento ao qual reputo como essencial à análise do pleito em exame, na forma do referido dispositivo.”

O magistrado destacou que, mesmo após a concessão de prazo para a apresentação do documento, a mulher limitou-se a juntar relatório médico sem a comprovação.

“Repousando controvérsia quanto à data do aborto, não havendo, em realidade, sequer comprovação documental de sua ocorrência, mantenho a decisão hostilizada que indeferiu o pedido de indenização do período de estabilidade, inclusive no tocante à retificação da CTPS.”

O laboratório foi representado na ação pelo advogado Luiz Otávio de Almeida Lima e Silva, do escritório Bresciani e Almeida Sociedade de Advogados.

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Processo 1000067-89.2023.5.02.0444

Por Renan Xavier

fonte: https://www.conjur.com.br/2023-set-12/mulher-nao-provar-gravidez-demissao-nao-indenizada

STF derruba vínculo de emprego entre rádio e representante que atua como PJ

STF derruba vínculo de emprego entre rádio e representante que atua como PJ

Por Renan Xavier

Por descompasso com a jurisprudência firmada pelo Supremo Tribunal Federal sobre o tema, o ministro Kassio Nunes Marques, do STF, cassou uma decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (Grande São Paulo e litoral paulista) que havia reconhecido o vínculo de emprego entre uma rádio e um representante comercial que atua como pessoa jurídica. A corte regional havia entendido que, no caso, estavam presentes os requisitos básicos previstos na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

Ao acionar o Supremo, a empresa alegou que a contratação, feita por meio de pessoa jurídica, deu-se em razão da natureza do serviço. Além disso, sustentou que o representante comercial se apresenta e oferece seus serviços ao mercado como PJ.

Nunes Marques lembrou que, no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 324, foi fixada a tese de que “é lícita a terceirização de toda e qualquer atividade, meio ou fim, não se configurando relação de emprego entre a contratante e o empregado da contratada”, e que, “na terceirização, compete à contratante: verificar a idoneidade e a capacidade econômica da terceirizada e responder subsidiariamente pelo descumprimento das normas trabalhistas, bem como por obrigações previdenciárias, na forma do artigo 31 da Lei 8.212/1993”.

O ministro pontuou que, ao reconhecer a relação de emprego, o TRT-2 não seguiu o entendimento que admite a validade constitucional da terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas.

Sócio do escritório Caputos, Bastos e Serra Advogados, Ademir Coelho Araújo atuou na defesa da rádio. Para ele, a decisão reforçou a posição do STF de fazer observar o entendimento, firmado sob o regime da repercussão geral, de que “é lícita a terceirização de qualquer atividade, reconhecendo a legalidade da contratação feita não apenas com base na Consolidação das Leis do Trabalho, mas também tendo por fundamento a legislação civil”.

Por Renan Xavier

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RCL 57.097

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