A 7ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho rejeitou o exame de recurso contra decisão que havia negado a homologação de um acordo extrajudicial entre uma empresa de transportes de Contagem (MG) e um garageiro, por entender que ele não teve assistência advocatícia. Embora tivesse assinado instrumento de mandato para uma advogada, na audiência ele a identificou como “advogada da empresa”, levando à conclusão de que ela não o representava.
A proposta de acordo extrajudicial, apresentada em janeiro de 2022 ao juízo da 1ª Vara do Trabalho de Contagem para homologação, estava assinada pelo garageiro e dava quitação geral do contrato de trabalho. Contudo, na audiência, ele não reconheceu como sua procuradora a advogada que supostamente o representava e disse que ela havia sido indicada pela própria empresa.
Advogados distintos
Tanto o juízo de primeiro grau quanto o Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (MG) se negaram a homologar o acordo. Segundo o TRT, a CLT prevê que o empregador e o trabalhador não podem ser representados pelo mesmo advogado, e esse requisito não fora formalizado. Ao manter a decisão, o TRT também determinou o envio de ofício à Ordem dos Advogados do Brasil, para adoção das medidas cabíveis.
A empresa tentou rediscutir o caso no TST, alegando que o trabalhador, em declaração redigida de próprio punho e em conversas pelo WhatsApp, teria manifestado interesse expresso na homologação. Também sustentou que, na audiência, ele havia dito que tinha ciência do valor acertado e que estava de acordo com a quitação.
O relator do agravo da empresa, ministro Cláudio Brandão, assinalou que os artigos 855-B a 855-E da CLT foram inseridos pela Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017) para regular os procedimentos relativos aos acordos extrajudiciais. Entre os pressupostos formais estão a necessidade de petição conjunta dos interessados e de representação por advogados diversos..
Atendidas essas exigências, cabe ao magistrado analisar o acordo e, caso verifique algum vício, principalmente com a indicação de prejuízo ao trabalhador, rejeitar a homologação, com base no seu livre convencimento.
O ministro salientou, ainda, que não há possibilidade de quitação ampla e irrestrita das parcelas do extinto contrato de trabalho, porque o artigo 855-E da CLT não prevê quitações genéricas por esse meio. A decisão foi unânime. Com informações da assessoria de imprensa do Tribunal Superior do Trabalho.
O Tribunal Regional do Trabalho da 11ª região (TRT11) autorizou a suspensão e apreensão da CNH e do passaporte dos sócios da Aldri Serviços por dívidas trabalhistas. A 3ª turma da corte acolheu, por unanimidade, o recurso para a execução da medida coercitiva atípica apresentado pelo ex-funcionário que há sete anos não recebeu seus honorários de rescisão. Os desembargadores decidiram pela medida coercitiva por entender que há urgência no pagamento das dívidas para a subsistência do trabalhador.
Segundo o relator da ação, desembargador José Dantas Góes, as sanções coercitivas nas esfera da Justiça do Trabalho estão previstas com base no artigo 139 do Código de Processo Civil, que garante a possibilidade de aplicação de medidas atípicas para a execução de qualquer ordem judicial. Além disso, a relatoria ressaltou a interpretação do Supremo Tribunal Federal (STF), que reconheceu a constitucionalidade do dispositivo no julgamento da ADI 5941.
O acordão concluiu a necessidade das determinações coercitivas ao reconhecer a urgência da execução da dívida para o trabalhador. “No caso dos autos, relativamente à efetividade da medida, deve se ter em mente que o crédito trabalhista possui natureza alimentar, presumindo-se, portanto, a urgência para a satisfação”, afirmou o desembargador José Dantas Góes.
Além disso, a decisão também considerou que a suspensão da CNH e a apreensão do passaporte não interfere nos direitos de locomoção e trabalho dos devedores. “Assim, no que tange à proporcionalidade da suspensão da CNH e apreensão do passaporte, verifica-se que não há informações nos autos de que os devedores se utilizem da habilitação para fins econômicos, como instrumento de trabalho”, afirma o relator.
Entenda o caso
Em março de 2016, os sócios da Aldri Serviços ltda se comprometeram, em acordo trabalhista, a pagar os honorários de dispensa do ex-funcionário Pedro Vieira Ferreira. A empresa, que atua na prestação de serviço terceirizado, possuía contrato coma cidade de Manaus e atendia a Escola Municipal Vicente de Mendonça Jr, onde o ex-funcionário exercia, desde 2012, a função de agente de portaria.
Ao ser demitido, Ferreira acionou a Justiça por não ter recebido as verbas de rescisão pela dispensa sem justa causa. De todo modo, mesmo após um acordo firmado com os sócios perante a Justiça do Trabalho, há sete anos, os donos da empresa não cumprem com a execução total da dívida de R$ 13.901,51
O pedido para as medidas coercitivas foi apresentado pelo ex-funcionário à 13ª Vara do Trabalho de Manaus. Em março de 2023, foi indeferido pela juíza Amanda Midori Ogo Alcântara de Pinho por, segundo seu entendimento, não haver motivos para a adoção de procedimentos drásticos. “A alegação de esvaziamento da execução não é motivo suficiente, per si, para adoção de medida drástica de bloqueio da CNH, cartões de crédito e/ou passaporte, quando não se comprova comportamento de ostentação social não condizente e à míngua de comprovação de ocultação patrimonial”, afirmou a magistrada.
Após o recurso à segunda instância, 3ª turma do TRT11 reviu a decisão da juízaao considerar que as determinações para que os sócios executassem a dívida não foram suficientes. “[…] já foram tomadas várias medidas de constrição contra o patrimônio dos devedores, como a tentativa de penhora on line, inclusão no BNDT, diligência pela existência de crédito em outro processo, bem como a colaboração do Núcleo de Apoio e Execução e de Cooperação Judiciária, em mais de uma oportunidade, desconsideração da personalidade jurídica com admissão de outra empresa e seus sócios, consulta de imóveis perante o RIDFT (ID. a727b41), consulta aos sistemas RENAJUD e INFOJUD, consulta ao BACEN, à JUCEA e, por fim, pesquisa patrimonial pela ferramenta SNIPER (ID. dec0bb5), todas infrutíferas”, destacou o relator.
O voto dodesembargador José Dantas Góes foi seguido de forma unânime pela Turma Recursal e a decisão não é mais passível de recurso. O TRT 11 exerce a jurisdição nos estados de Amazonas e Roraima.
Processo está disponível com o número 0002222-73.2015.5.11.0004
NINO GUIMARÃES – Repórter em Salvador. Atua na cobertura política e jurídica do site do JOTA. Estudante de Jornalismo na Universidade Federal da Bahia. Foi estagiário de jornalismo em A Tarde e no Ministério Público Estadual da Bahia. E-mail: nino.guimaraes@jota.info
Quase 40% dos escritórios que atuam com Direito Empresarial no Brasil passaram a lidar com novas especialidades entre 2021 e 2022. Para dar conta do crescimento do escopo de atuação, quatro em cada dez dessas bancas ampliaram o quadro de sócios, de acordo com dados do Análise Advocacia 2022, publicação que ouviu 1.038 líderes de departamentos jurídicos de empresas e 768 representantes de escritórios de advocacia.
A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), em vigor desde 2021, tem sido a principal responsável pelas novas demandas das empresas aos profissionais de Direito. 49% dos diretores jurídicos entrevistados pelo Análise Advocaciamencionaram o Direito Digital entre as preocupações para o ano de 2023. Já a proteção e privacidade de dados foi citada por 26% dos executivos.
A governança corporativa e a atuação do setor de compliance na garantia de boas práticas no âmbito interno das empresas também tem ganhado relevância: o tema foi citado por 20% dos diretores jurídicos. O ranking de áreas com maior demanda em 2023 citadas pelos entrevistados segue com o Direito Ambiental (15%); o Direito Regulatório e o Direito Tributário (13% cada); Direito do Trabalho (10%); Direito Societário (9%); e ESG – Governança Ambiental, Social e Corporativa, com 8% das menções.
“Os escritórios de advocacia estão seguindo um modelo bastante americano, com áreas cada vez mais especializadas, separadas, mas sempre com uma atuação generalista. Com isso, todas as áreas conseguem conversar entre si e atender ao cliente de uma forma global”, avalia Ligia Maura Costa, advogada e coordenadora do Centro de Estudos em Ética, Transparência, Integridade e Compliance da FGV. “O especialista é um sócio sênior que pode falar com todos, integrar as áreas do escritório, mas a solução de problemas específicos fica com as áreas especializadas”, complementa.
Entre os escritórios pesquisados, 47% têm atuação especializada em uma área do Direito Empresarial. Já um percentual de 42% se declarou abrangente, com uma área prioritária ao mesmo tempo em que não deixa de atender a outros ramos demandados. Uma proporção de 11% declarou-se full service com atendimento em diferentes áreas.
As bancas especializadas têm 19 advogados em média e são responsáveis por um volume médio de 2.399 processos ao ano. Já os escritórios abrangentes possuem uma média de 44 advogados e 10.116 processos. As bancas full service contam com uma média de 188 advogados e de 47.158 processos.
Segundo João Póvoa, presidente da Aliança de Advocacia Empresarial (Alae), que reúne escritórios de advocacia no Brasil e na Argentina, o fato de as bancas empresariais lidarem com cada vez mais assuntos tem feito com que as empresas consigam concentrar as suas demandas em um menor número de escritórios terceirizados. “Isso permite que os jurídicos internos tenham interlocução com um menor número de profissionais, permitindo que os escritórios conheçam mais profundamente as necessidades de cada cliente e possam buscar soluções mais próximas da realidade de cada negócio”, afirma.
Já Marcus Vinicius Furtado Coêlho, advogado e presidente da Comissão Nacional de Estudos Constitucionais da OAB, lembra que a atuação da advocacia empresarial não se limita a grandes companhias. “Empresas de menor porte também podem se beneficiar dos serviços de consultoria e representação jurídica. Muitos escritórios oferecem serviços de assessoria jurídica para startups e pequenos empreendedores, ajudando a proteger a propriedade intelectual e a garantir a conformidade com as leis e regulamentações”, ressalta.
Além da especialização, outro desafio enfrentado pelas bancas é lidar com a tecnologia. “A inteligência artificial poderá automatizar tarefas rotineiras, mas também criará novas questões legais em torno da responsabilidade e ética na utilização da tecnologia. Surge a necessidade de compreender como essas tecnologias afetam o ambiente empresarial e as leis que o regem. Isso implica em um desafio constante de atualização e aprimoramento por parte dos advogados empresariais”, prevê.
A proteção dos dados pessoais dos clientes das empresas, com a implantação do Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados na União Europeia e leis similares em outros países, é também uma questão a ser enfrentada.
Apesar dos desafios, os escritórios brasileiros são reconhecidos e respeitados internacionalmente, como afirma Carlos José Santos da Silva, sócio do escritório Machado Meyer e ex-presidente do Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (Cesa).
“Os escritórios nacionais alcançaram excelência e sofisticação na prestação de serviços das mais complexas operações e estão em constante evolução. Nas conferências da IBA (International Bar Association) e UIA (Union Internationale des Avocats), a nossa presença é uma realidade. Estamos aparelhados para prestar assessoria jurídica a grandes conglomerados nacionais e internacionais nas mais variadas operações”, garante.
O diretor da Associação Brasileira de Advogados Corporativos (Abrac), Alvaro Van Der Ley Lima Neto, concorda, mas diz ser preciso ir além. “O mercado brasileiro vem amadurecendo ao longo das últimas décadas, mesmo que ainda de forma embrionária em comparação a mercados maduros, como o dos Estados Unidos, onde existem diversos escritórios de advocacia com faturamento na casa de bilhões de dólares. Segundo [o ranking da editora Law.com] AmLaw 100, o escritório Kirkland faturou mais de seis bilhões de dólares no último exercício”, exemplifica.
De acordo com o Análise Advocacia, 41% das bancas têm faturamento anual de até R$ 18 milhões. A faixa entre R$ 19 milhões e R$ 51 milhões abarca 11% dos escritórios; entre R$ 52 milhões e R$ 86 milhões, 2%; entre R$ 87 milhões e R$ 257 milhões, 2%; a faixa acima de R$ 258 milhões inclui apeAnunciaram nesta edição
ANUÁRIO DA JUSTIÇA DIREITO EMPRESARIAL 2023
1ª edição
Número de Páginas: 156
Editora: Consultor Jurídico
Versão digital: É gratuita, acesse pelo site https://anuario.conjur.com.br ou pelo app Anuário da Justiça
O vice-presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Og Fernandes, no exercício da presidência, deferiu liminares para assegurar que três pessoas com comprovada necessidade terapêutica possam cultivar plantas de Cannabis sativa sem o risco de qualquer medida repressiva por parte das autoridades.
Nos três recursos em habeas corpus submetidos à presidência do tribunal (um deles em segredo de Justiça), os interessados relataram que possuem problemas de saúde passíveis de tratamento com substâncias extraídas da Cannabis, como dor crônica, quadro de transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH), transtorno depressivo recorrente, fobia social e ansiedade generalizada.
Além de juntar aos processos laudos médicos que comprovam as condições relatadas, eles apresentaram autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para a importação excepcional de produtos medicinais derivados da Cannabis.
Custo da importação inviabiliza o tratamento
Apesar dessa autorização, os recorrentes disseram que a importação dos produtos é cara, razão pela qual entraram na Justiça para obter o habeas corpus preventivo (salvo-conduto) e poder cultivar a planta sem o risco de problemas com a polícia.
Inicialmente, todos os pedidos foram rejeitados nos tribunais estaduais. Em um deles, o recorrente afirmou que teria um gasto mensal de cerca de R$ 2 mil com a importação do medicamento.
O Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR), que julgou um dos casos, afirmou que a autorização pretendida dependeria de análise técnica que não cabe ao juízo criminal, sendo da Anvisa a atribuição de avaliar a situação do paciente e permitir, ou não, o cultivo da planta para extração das substâncias medicinais.
Documentos comprovaram necessidade dos recorrentes
De acordo com o ministro Og Fernandes, os pedidos foram satisfatoriamente justificados com a apresentação de documentos que atestam as necessidades dos requerentes, como receitas médicas e pareceres farmacêuticos, autorizações para importação e comprovantes de que outros tratamentos não tiveram o mesmo sucesso.
Em dois dos pedidos, os recorrentes também juntaram certificados de curso sobre plantio da Cannabis sativa e extração de substâncias medicinais.
Precedentes admitem cultivo para fins terapêuticos
O vice-presidente do STJ lembrou que os precedentes da corte consideram não ser crime a conduta de cultivar a planta para fins medicinais, diante da falta de regulamentação prevista no artigo 2º, parágrafo único, da Lei 11.343/2006 (Lei de Drogas). Com esse entendimento, vários acórdãos concederam salvo-conduto para que pessoas com certos problemas de saúde pudessem cultivar e manipular a Cannabis.
Apoiado nessa jurisprudência, o ministro reconheceu a plausibilidade jurídica dos pedidos e considerou que o mais prudente é “resguardar o direito à saúde” dos interessados até o julgamento final dos recursos pelas turmas competentes. Os relatores serão os ministros Ribeiro Dantas e Antonio Saldanha Palheiro e o desembargador convocado João Batista Moreira.
As liminares permitem o cultivo das plantas na quantidade necessária, apenas para tratamento próprio e nos termos das receitas médicas, ficando os órgãos policiais e o Ministério Público impedidos de tomar medidas que embaracem a atividade.
A disponibilização de produtos e serviços no mercado de consumo deve ser minuciosamente precedida de pesquisas e estudos que analisem a viabilidade do negócio e os riscos que lhe são inerentes. Antes de realizar ofertas, que muitas vezes são planejadas apenas mirando o presente, é importante que as práticas sejam pensadas para o futuro, especialmente nos casos em que a prestação do serviço ou entrega do produto será realizada em momento muito posterior à data de sua aquisição pelo consumidor. Por essa razão, estratégias de marketing e ofertas promocionais devem refletir situações factíveis, que serão efetivamente cumpridas em momento posterior, sob pena de o risco a ser assumido ser muito grande — e o prejuízo ainda maior. Os casos envolvendo as agências de turismo Hurb (antigo Hotel Urbano) e 123 Milhas ilustram situações de ofertas realizadas sem a necessária análise e reflexão, que causam prejuízos tanto para si quanto para os seus consumidores.
A pandemia da Covid-19 afetou sobremaneira o setor do turismo. Em meio à significativa redução da demanda por viagens domésticas e internacionais, a Hurb optou por utilizar modelo de negócios consubstanciado na oferta de pacotes promocionais com datas flexíveis, possibilitando aos consumidores que adquirissem passagens aéreas e hospedagens sem a necessidade de definir a data da viagem no momento da compra, e sim em momento futuro, desde que encontrados, quando do agendamento, voos e hotéis com tarifas promocionais. Em outros termos, o bilhete aéreo e a reserva da hospedagem adquiridos eram emitidos em data posterior à aquisição. A medida atraiu diversos viajantes e lhe permitiu atingir um volume bruto de mercadorias (GMV) de R$ 1,8 bilhões em 2020 e de R$ 1,9 bilhões em 2021 [1].
A partir da gradativa redução das restrições de viagens e dos riscos de transmissão da Covid-19, os consumidores passaram a agendar seus pacotes. Todavia, o cenário pós-pandemia se mostrou muito diferente daquele em que as vendas foram feitas. Em 2022, o preço médio das passagens aéreas registrou o maior valor na série histórica da Agência Nacional da Aviação Civil (Anac), chegando à quantia de R$ 645, o que corresponde a R$ 126 a mais do que o preço médio de 2019 (R$ 519) [2]. Também os preços das diárias de hotéis sofreram aumento significativo [3]. Ante a discrepância entre os valores recebidos de seus clientes e os preços de voos e hospedagem, a Hurb passou a enfrentar dificuldades no cumprimento das ofertas.
Como consequência, o número de reclamações dos consumidores postulando o cancelamento do contrato e reembolso dos valores, ou o simples cumprimento das ofertas, disparou. Após os requerimentos na plataforma consumidor.gov.br chegarem a 7.000 no primeiro trimestre de 2023, volume ainda maior que todo o ano de 2022 (12 mil) — que já era expressivo —, a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), vinculada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, determinou a abertura de processo administrativo sancionador contra a agência [4]. E, em maio, por entender que a modalidade de oferta não dá garantias suficientes aos consumidores, determinou a suspensão temporária da venda de novos pacotes com data flexíveis [5] da Hurb [6].
Assim como a mencionada agência de turismo, a 123 Milhas também passou a ofertar passagens e pacotes promocionais com datas flexíveis em meio à crise vivenciada pelo setor do turismo. O viajante, embora tenha de escolher a data da viagem no momento da aquisição do serviço, necessita estar disponível 24h antes e 24h depois da data escolhida, pois a marcação do voo e da hospedagem é realizada pela própria empresa dentro do período de disponibilidade indicado (destas 72h). Ou seja, não há emissão de bilhete de passagem ou reserva de hospedagem na data da compra.
Durante a pandemia, a empresa investiu fortemente no marketing visando divulgar de maneira ampla as suas ofertas, em especial seus pacotes promocionais com datas flexíveis. Foi a maior anunciante do país em 2021, com aporte de R$ 2,37 bilhões na compra de espaço publicitário, e o segundo maior anunciante do país em 2022, com aporte de R$ 1,28 bilhão [7]. E, tal qual a Hurb, a estratégia atraiu muitos consumidores.
Em virtude da dificuldade de cumprir as ofertas dos pacotes com datas flexíveis pelas mesmas razões da Hurb [8], a 123 Milhas, no dia 18 de agosto, comunicou a suspensão da emissão de passagens e pacotes da categoria Promo agendados para os meses de setembro a dezembro de 2023 [9]. Para além da decisão unilateral, que por si só frustra as legítimas expectativas dos consumidores, a empresa somente se comprometeu a oferecer vouchers acrescidos de correção monetária de 150% do CDI, para compra de quaisquer passagens, hotéis e pacotes na própria agência. Ou seja, não possibilita o cancelamento do contrato com a restituição integral dos valores pagos.
Da mesma forma que ocorreu com a Hurb, como era de se esperar, o número de reclamações de consumidores disparou. No site Reclame Aqui, nos últimos seis meses, já foram realizadas 20.133 reclamações contra a empresa [10]. Por seu turno, na plataforma consumidor.gov.br, foram registradas 7.410 reclamações no ano de 2023, sendo que o índice de solução é de apenas 67,3%, justificando que a nota de satisfação com o atendimento seja hoje correspondente a 2,6 de 5 [11].
Os números se justificam — e provavelmente irão aumentar — porque a alteração unilateral do contrato, subtraindo do consumidor a opção de restituição quantia paga e colocando-o em desvantagem exagerada, além de configurar uma cláusula abusiva (artigo 51, II, e IV, do CDC), viola o disposto no artigo 35 do Código de Defesa do Consumidor, o qual refere que, em caso de recusa de oferta, cabe ao consumidor, alternativamente e à sua livre escolha, (1) exigir o cumprimento forçado da obrigação, nos termos da oferta; (2) aceitar a prestação de serviço equivalente (o voucher); ou (3) rescindir o contrato, com direito à restituição de valores, monetariamente atualizados, além de perdas e danos [12]. No mais, em se tratando de passagem aérea, à luz do disposto no artigo 31, caput, da Resolução 400/2016 da Anac [13], o reembolso somente pode ser convertido em crédito para aquisição de nova passagem se o passageiro concordar com tal providência.
Diante da grande repercussão da questão, a Senacon já encaminhou um pedido de esclarecimentos e cogita, tal qual o fez com a Hurb, instaurar processo administrativo em face da 123 Milhas para o fim de proibir a venda dos pacotes promocionais, além de arbitrar multa ou estabelecer outras penalidades [14].
No dia 29 de agosto, após o ajuizamento de pelo menos 16,4 mil processos judiciais por consumidores, cujos valores envolvidos ultrapassam os R$ 200 milhões [15], a 123 Milhas entrou com pedido de recuperação judicial sob o argumento de que enfrenta crise financeira e que a suspensão dos pacotes promocionais afetou a sua credibilidade perante o mercado, reduzindo drasticamente o volume de vendas. A medida afeta os interesses dos seus clientes ao dificultar a restituição de valores pagos e reparação de eventuais danos, o que denota, mais uma vez, importantes falhas em toda a sua estratégia de vendas.
Os casos da Hurb e da 123 Milhas mostram ser imprescindível que os fornecedores disponibilizem no mercado de consumo serviços viáveis, que possam de fato ser cumpridos, realizando preliminarmente estudos sérios e comprometidos que permitam concluir que o negócio é de fato praticável e não prejudica os direitos dos consumidores. Inclusive, porque a oferta, que engloba a publicidade e informação suficientemente precisas, bem como quaisquer declarações de vontade manifestadas por escrito, vinculam o fornecedor, que está obrigado a cumpri-las, sob pena inclusive de execução específica (CDC, artigos 30, 48 e 84).
Em relação às agências Hurb e 123 Milhas, mesmo que tenha ocorrido uma mudança no cenário pós-pandemia comparativamente ao período em que grande parte dos pacotes promocionais foram vendidos, isto não é capaz de afastar a sua responsabilidade por danos causados aos seus clientes porque não configura hipótese de caso fortuito ou força maior, já que era previsível o aumento dos preços de hospedagens e passagens em decorrência da queda brusca na demanda por viagens, mormente em meio a uma crise de incertezas nos setores do turismo e aéreo.
Acrescente-se que a responsabilidade dos fornecedores se funda no risco-proveito, o que significa que, em virtude do proveito econômico obtido a partir da disponibilização do serviço ou produto no mercado de consumo (bônus), arcam com os riscos inerentes ao seu negócio (ônus). Aos fornecedores é vedado, portanto, colocar no mercado de consumo serviços que sabem ou que deveriam saber que têm alta probabilidade de não serem cumpridos no momento oportuno, e daí exsurge o seu dever de analisar previamente os riscos intrínsecos da sua atividade.
Para as empresas que querem decolar as suas vendas, portanto, vale o alerta: em caso de quaisquer dúvidas na viabilidade de um serviço, é imprescindível manter-se os pés no chão.
[12] Saliente-se que a decisão da 123 Milhas também pode violar o disposto no art. 12 da Resolução 400/2016 da Anac, o qual trata do prazo de antecedência mínima para a comunicação de alterações realizadas de forma programada, referindo que, se a informação ocorrer em menos de 72h de antecedência, devem ser oferecidas ao passageiro as alternativas de reacomodação e reembolso integral, cabendo a escolha ao passageiro.
[13] Embora estejam sujeitos a esta Resolução as transportadoras aéreas em si, em se tratando de alteração contratual programada de passagem aérea, possível sua aplicação por analogia.
Por falta de documentação oficial que comprovasse a gestação e o posterior aborto espontâneo, a 5ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT-2) negou recurso e manteve uma decisão que indeferiu o pedido de indenização do período de estabilidade para uma ex-empregada de um laboratório de Santos (SP) que foi dispensada supostamente durante a gravidez.
Ao ingressar com a ação, a mulher alegou que foi dispensada enquanto estava grávida. No entanto, ao realizar exame médico demissional, o resultado deu inconclusivo para a gestação. Três semanas depois, ela fez um novo exame, de forma particular, que confirmou a gravidez.
A empresa defendeu que não tinha conhecimento da gestação quando dispensou a ex-empregada. O laboratório questionou o fato dela não ter entrado em contato para avisar do resultado do segundo exame, preferindo entrar com a ação para ganhar indenização, sem pedir reintegração.
Segundo consta no processo, a empresa só tomou ciência da gravidez com a citação da ação. O laboratório entrou em contato com ex-empregada para reintegrá-la, o que foi recusado. Em audiência, a empresa ofereceu novamente a reintegração — o que, mais uma vez, foi recusado.
Na sequência, a ex-empregada informou ter sofrido um aborto espontâneo, mas não detalhou a data. Ela apresentou documentos médicos, mas que não detalhavam a data em que o aborto teria ocorrido.
Na ação, a mulher pedia indenização substitutiva relativa ao período gestacional, férias vencidas e proporcionais com respectivo terço, 13º salário, FGTS com acréscimo de 40%, intervalo intrajornada, diferença de aviso prévio, além de indenização por danos morais — entre outros pedidos.
A 4ª Vara do Trabalho de Santos considerou que a recusa da mulher de aceitar a reintegração e buscar apenas a indenização configurou abuso de direito e julgou o pedido improcedente. Os pedidos de intervalo intrajornada e danos morais também foram rejeitados.
Contra recurso da ex-empregada, o laboratório disse ser indevida a indenização, já que ela não cumpriu um requisito imprescindível para o deferimento do pedido: o atestado médico oficial informando a data em que teria ocorrido o aborto.
Relator do recurso, o desembargador Sidnei Alves Teixeira compreendeu que a apresentação do documento médico que atestasse o aborto espontâneo se tornou essencial para a ação. A falta dele comprometeu o pedido feito pela ex-empregada.
“Da análise do processado, infere-se que a demandante não juntou aos autos o atestado médico previsto no artigo 395, da CLT, demonstrando a ocorrência e a data do aborto, documento ao qual reputo como essencial à análise do pleito em exame, na forma do referido dispositivo.”
O magistrado destacou que, mesmo após a concessão de prazo para a apresentação do documento, a mulher limitou-se a juntar relatório médico sem a comprovação.
“Repousando controvérsia quanto à data do aborto, não havendo, em realidade, sequer comprovação documental de sua ocorrência, mantenho a decisão hostilizada que indeferiu o pedido de indenização do período de estabilidade, inclusive no tocante à retificação da CTPS.”
O laboratório foi representado na ação pelo advogado Luiz Otávio de Almeida Lima e Silva, do escritório Bresciani e Almeida Sociedade de Advogados.
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Processo 1000067-89.2023.5.02.0444